Como a temporada do Flamengo se transformou em um “Jogo dos 8 erros”

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Ao demitir Dorival Júnior no fim do ano passado e dar 42 dias de férias ao elenco depois da temporada marcada pelos títulos da Copa do Brasil e da Libertadores, o Flamengo escolheu “brincar” de Jogo dos oito erros — e está prestes a gabaritá-lo. O clube mais rico da América do Sul iniciou o ano sonhando com o Real Madrid aos gritos de “ô Real Madrid, pode esperar, a sua hora vai chegar” liderado pelo vice de futebol Marcos Braz e desperta do pesadelo tendo de lamber os beiços se acessar a fase de grupos do principal torneio continental em 2024. A realidade, hoje, é a Sul-Americana.

O Flamengo disputou sete taças em 2023. Perdeu todas: Supercopa do Brasil, Mundial de Clubes da Fifa, Recopa Sul-Americana, Taça Guanabara, Campeonato Carioca, Libertadores e Copa do Brasil. Sétimo colocado no Campeonato Brasileiro, a 11 pontos do líder Botafogo, o time rubro-negro arrisca ficar fora da principal competição continental em 2024. Isso aconteceu pela última vez em 2016. Faz sete anos. O clube carioca acumula sete participações consecutivas no torneio. Recorde.

Cada competição aponta erros graves cometidos pelo Flamengo na temporada. O primeiro deles foi o relaxamento depois das conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores, ambas em novembro do ano passado. Houve uma desmobilização geral. Férias de 42 dias para um elenco ciente do início de temporada desafiadora com jogos duros pela Supercopa do Brasil contra o Palmeiras, Recopa Sul-Americana diante do Independiente del Valle e um hipotético encontro com o Real Madrid no Mundial de Clubes. Como se não bastasse isso tudo, houve a pitada mágica da diretoria ao trocar Dorival Júnior por Vítor Pereira.

Não é sempre, mas geralmente o que começa errado termina errado. O Flamengo acumula a essa altura da temporada quatro vices: Supercopa, Recopa, Copa do Brasil e Campeonato Carioca. Foi eliminado nas semifinais no Mundial de Clubes e terminou na terceira colocação. Caiu nas oitavas de final na Libertadores contra o Olimpia do Paraguai depois de abrir 2 x 0 no placar agregado. Deu adeus por 3 x 2.  Próximo do título na Taça Guanabara, acabou em terceiro depois de tomar virada do Fluminense na última rodada.

Há pelo menos um erro cometido em cada competição. A derrota para o Palmeiras na Supercopa do Brasil, em Brasília, expôs um Flamengo em transição dos conceitos de Dorival Júnior para as ideias totalmente diferentes de Vítor Pereira. Detalhe: sem Rodinei e João Gomes, dois jogadores imprescindíveis nas conquistas da temporada anterior.

A eliminação nas semifinais do Mundial de Clubes mostrou um elenco sem imaginação, pernas e nervos para duelar com o Al-Hilal. O resultado foi a eliminação por 3 x 2. Houve sofrimento também na decisão do terceiro lugar com o Al Ahly do Egito. As duas partidas mostraram jogadores se arrastando em campo, sem a mínima capacidade de competir.

Isso se repetiu na decisão seguinte contra o Independiente del Valle. Quem apresentava dificuldades para se impor em um Campeonato Carioca disputado ao nível do mar não faria diferente na altitude de Quito. Perdeu por 1 x 0 fora de casa, arrancou vitória pelo mesmo placar no Maracanã graças ao um de Arrascaeta aos 51 minutos da etapa final, forçou a prorrogação, mas perdeu o título nos pênaltis por 5 x 4, no Rio de Janeiro.

Vítor Pereira notou a falta de força do Flamengo. Inovou na última rodada da Taça Guanabara contra o Fluminense. Iniciou a partida com um time mais jovem, investiu em Matheus França na formação titular, surpreendeu o adversário no primeiro tempo, mas foi engolido na etapa final e tomou a virada por 2 x 1. O rival levou a taça. Veio a final do Estadual e a vitória por 2 x 0 no primeiro jogo encaminhou o título. No entanto, crises arrastadas entre o elenco e Vítor Pereira minaram a vantagem. A equipe rubro-negra amargou chocolate de páscoa por 4 x 1 contra o Fluminense e perdeu o Estadual.

Os fracassos em série sob a batuta de Vítor Pereira indicaram o envelhecimento do elenco. As pernas de 2019 para execução do jogo exigido por Jorge Jesus nas conquistas do Brasileirão e da Libertadores estavam quatro anos mais velhas. Incapazes de cumprir o perde-pressiona, a marcação adiantada, de sufocar o adversário e não deixá-lo jogar.

Mesmo assim, com uma ideia utópica de jogo na cabeça,  a diretoria partiu para a aquisição de um treinador apegado a conceitos contrários às condições oferecidas pelo elenco do Flamengo. É possível contar nos dedos de uma mão as exibições ao estilo Sampaoli. Há uma queda de braço o tempo inteiro. Jogadores remando para um lado e o técnico para o outro. Total desconexão entre os ensaios e as apresentações em campo.

O futebol praticado na marra fez o Flamengo largar mal no Campeonato Brasileiro e permitir ao Botafogo uma arrancada na derrota por 3 x 1 no Maracanã, pela terceira rodada do primeiro turno. As ideias confusas de Vítor Pereira e Sampaoli culminaram com resultados absurdos na fase de grupos da Libertadores. Derrota para o Aucas, no Equador, e empate com o Ñublense, no Chile. Resultados inadmissíveis para o clube mais cara do continente. A eliminação contra o Olimpia consolidou a campanha irregular na Libertadores.

O Flamengo passou a se agarrar na Copa do Brasil. Impediu vexame contra o Maringá, eliminou Fluminense e Athletico-PR nas oitavas e nas quartas, respectivamente, e se impôs com uma exibição segura contra o Grêmio, na Arena, em Porto Alegre. O triunfo por 2 x 0 no jogo de ida mostrou evolução. A virada contra o Atlético-MG na sequência, em Belo Horizonte, também. Até que a indisciplina de Pedro no Independência e o soco do preparador físico Pablo Fernández na cara do centroavante depois da partida mudaram definitivamente os rumos do Flamengo na temporada. A diretoria pode ter se perdido ali.

Aparentemente, não havia clima para a sequência do trabalho de Sampaoli depois de um episódio de violência, porém a diretoria pagou para ver. Enquanto Gabriel Barbosa dizia que o Flamengo não é big brother, as informações intramuros do Ninho do Urubu mostravam o contrário. Havia um clima de tensão. O soco de Gerson em Varella agravou o clima.

Os chutes de Sampaoli em uma grade divisória a caminho do vestiário depois da derrota para o São Paulo no jogo de ida da final da Copa do Brasil, o bico no microfone na derrota contra o Athletico-PR e o quebra pau entre o vice de futebol Marcos Braz e o torcedor Leandro Campos esculhambaram de vez uma temporada de dar inveja a equipe de várzea.

Falta ficar fora da Libertadores para o Flamengo gabaritar o Jogo dos 8 erros. Parece até castigo dos deuses da bola por ter agido incorretamente com o Dorival Júnior lá atrás. A diretoria cometeu equívoco gravíssimo ao considerar que títulos se ganham com dinheiro. Prometeu dividir a premiação da Copa do Brasil com o elenco partindo do princípio de que, do outro lado, não havia adversário. O São Paulo pode estar quebrado financeiramente, incapaz de dividir prêmio com o plantel, mas conseguir ter em campo um time com alma, humildade e futebol na decisão da Copa do Brasil vestindo o uniforme tricolor.

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Marcos Paulo Lima

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