Uma demissão em massa depois de um jogo suspeito da Série D do Brasileirão do ano passado pode ser mais uma peça-chave para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Tribunal de Justiça Desportiva do Distrito Federal (TJD-DF) montarem o quebra-cabeça da suspeita de manipulação de resultados no Campeonato do Distrito Federal.
Em 16 de abril, o blog revelou que os dois órgãos de Justiça abriram inquérito para apurar denúncias de arranjos em pelo menos três das 32 partidas da primeira fase. As duas apurações ocorrem paralelamente e contam com o reforço de uma empresa especializada em monitorar apostas em cassinos on-line, como você leu aqui.
Em mais uma capítulo do Candangate, o blog apurou que dois dirigentes do Formosa, um dos clubes investigados pelo MPDFT e o TJD-DF, um ex-jogador do clube do Entorno e outros oito atletas foram mandados embora de supetão pelo Toledo-PR depois da derrota do time paranaense por 6 x 0 para o Mirassol, em 30 de setembro, pela fase de grupos da Série D. Um dos três motivos foi suspeita de manipulação de resultados.
Em 17 de junho do ano passado, o Toledo firmou parceria com os empresários Juan Teixeira da Cruz e Felipe Ferreira Piva — representantes da JF Intermediação e Eventos Esportivos. A reportagem teve acesso ao contrato anexado em um processo público movido pela firma contra o Toledo na Justiça do Paraná e revela como os times de pequeno investimento, como praticamente todos do Distrito Federal, são alvo fácil das ofertas de parcerias e facilidades.
O acordo de arrendamento com opção de compra previa receitas, investimentos, aplicações na folha de pagamento e depósito mensal de R$ 20 mil para o presidente do Toledo, Carlos Alberto Dulaba, pela terceirização do futebol masculino ao grupo com sede em Salvador. A parceria iniciada em 17 de junho de 2020, prevista para expirar em 31 de dezembro de 2020, acabou antecipadamente em 2 de outubro de 2020.
O presidente do Toledo teria sido alertado de que a derrota por 6 x 0 para o Mirassol apresentou desvios de padrão suspeitos nas casas de apostas. Desconfiado, o dirigente imediatamente rompeu com Juan da Cruz e Felipe Piva; e dispensou o técnico Davi Lima, o assistente Vinícius e nove jogadores levados pelos empresários para o clube: os goleiros Luiz Henrique e Romero, os laterais Bruno Gaúcho e Diogo Bahia, os zagueiros Ivan Lima e Isael, o volante Kelven, o meia Michael e o atacante Lucas. O elenco ficou com apenas 16 atletas. Um deles disse ao blog sob anonimato que os remanescentes desconfiavam do “corpo mole” dos nove jogadores “de fora”. Eles, inclusive, teriam alertado o presidente.
Uma das cláusulas do contrato estabelece uma espécie de “mordaça”. Nenhuma das partes deveria se manifestar publicamente sobre cláusulas sensíveis da parceria. O fim da parceira vazou primeiro no portal Radar BO, um site policial de Toledo (PR). Uma das travas do contrato diz respeito, justamente, à idoneidade da firma e do clube: “O arrendado e o arrendatário confirmam, sob pena de rescisão imediata de contrato, que nunca tiveram e não terão envolvimento com casas de apostas de futebol”, diz uma cláusula publicada no processo.
Sentindo-se lesada pelas suspeitas do presidente Carlos Alberto Dulaba, a JF moveu ação indenizatória por danos materiais contra o Toledo. Exigiu multa de R$ 300 mil, pagamento de lucros cessantes e o direito de exercer o direito de compra do clube por R$ 2,5 milhões.
Um dos argumentos da empresa diz respeito à suspeita de manipulação. “Quanto a alegação de envolvimento com casa de apostas, trata-se de acusação infundada. O autor não tinha, tem ou pretende ter envolvimento com qualquer casa de aposta, tampouco, foi-lhe apresentada qualquer evidência”, diz o argumento escrito no processo.
Acuada, a diretoria do Toledo chegou recentemente a um acordo com os ex-parceiros. Aceitou pagar multa de R$ 150 mil em 20 parcelas de R$ 7.500. A reportagem entrou em contado com o presidente Carlos Alberto Dulaba, mas ele recusou-se a falar sobre o assunto. Também tentou entrar em contado com os empresários Juan da Cruz e Felipe Piva, porém, a resposta dos atalhos até eles era “não estamos autorizados a passar os números”.
Itinerantes: do Toledo para o Formosa
Como mostraram o blog e reportagens na edição impressa do Correio Braziliense, uma delas sobre o modus operandi do esquema, assinada pelo repórter Danilo Queiroz, as firmas que oferecem parcerias e facilidades a times pobres costumam ser itinerantes e propõem contratos de curta duração. O acordo com o Toledo, por exemplo, seria de, no máximo, seis meses.
Curiosamente, depois da saída do clube paranaense, Juan Teixeira da Cruz e Felipe Ferreira Piva, representantes da JF Intermediação e Eventos Esportivos, ganharam cargos administrativos na diretoria do Formosa para a edição deste ano do Candangão. O clube do Entorno assinou parceira com a JB Sports. A empresa não pertence a eles, mas a Marcelo Lucas Ribeiro, que arrendou o Formosa para o campeonato deste ano. É o presidente por quatro anos.
Felipe Piva ganhou cadeira no Conselho Fiscal com status de sócio proprietário do Formosa. Juan da Cruz passou a integrar o Conselho Deliberativo.
Pelo menos um jogador levado pelos empresários para disputar a Série D pelo Toledo, e dispensado pelo presidente do clube paranaense, Carlos Alberto Dulaba, depois da derrota para o Mirassol, mudou-se para Formosa e disputou três partidas da primeira fase pelo time rebaixado para a segunda divisão do Candangão: o lateral-direito Diogo Bahia.
A reportagem apurou que Marcelo Lucas Ribeiro, Juan da Cruz, Felipe Piva e Diogo Bahia foram intimados pelo TJD-DF a depor no inquérito de manipulação no Candangão, assim como os ex-presidentes do Formosa Cacildo Cassiano e Henrique Botelho. O MPDFT também fez algumas convocações para pedir esclarecimentos sobre parcerias suspeitas no futebol candango.
Em contato com o blog, Henrique Botelho informou que o Formosa não foi arrendado à empresa JB Sports. Informa, ainda, que Marcelo Lucas Ribeiro inscreveu chapa única para concorrer à presidência do Formosa, venceu o pleito e assumiu a direção do clube. O ex-mandatário atribuiu a vitória do empresário e do grupo culpou a fragilidade do estatuto do clube pela vitória dos forasteiros.
*Reportagem publicada também na edição impressa desta quarta-feira (12/5) do Correio Braziliense
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