Fiz uma entrevista exclusiva com a técnica Pia Sundhage em 2019. Ela havia acabado de dizer sim à CBF e topado assumir a Seleção Brasileira feminina. No bate-papo, a treinadora indicava a fórmula para o sucesso na nova empreitada. “Se eu conseguir aplicar a mentalidade vencedora dos Estados Unidos e a organização defensiva da Suécia nós poderemos fazer um grande trabalho”.
Os grandes trabalhos de Pia são autorais. Tinham um sistema de jogo definido: 4-4-2. Assim jogava, por exemplo, a seleção dos Estados Unidos bicampeã olímpica em Pequim-2008 e Londres-2012, e vice-campeã da Copa do Mundo em 2011 na derrota para o Japão. A Suécia medalha de prata nos Jogos Olímpicos do Rio-2016 também usava essa configuração. Claro, sempre com variáveis.
Pia iniciou a goleada por 4 x 0 contra o Chile neste domingo, no Mané Garrincha, usando a velha fórmula. Na despedida do Brasil antes do embarque para a Copa do Mundo na Austrália e na Nova Zelândia, a Seleção usou como ponto de partida o 4-4-2.
A linha defensiva é praticamente imutável. A goleira Lelê teve à frente as laterais Antônia e Tamires e a dupla de zaga formada por Kathllen e Rafaelle. O meio de campo contou com Ana vitória e a brasiliense Nycole Raysla abertas nas pontas. Duda Sampaio e Luana Bertolucci construtoras pelo centro. Todas elas responsáveis por abastecer Geyse e Gabi Nunes.
Há um outro fator relevante na formação inicial. Pia mandou a campo um time com média de idade de 27,6 anos. Os Estados Unidos tinham 25,6 e 28, respectivamente, nas duas conquistas douradas. A Suécia exatamente 27,6 anos na prata de 2006, nos Jogos do Rio-2016. Qualquer semelhança com os 27,6 do Brasil não é mera coincidência. Pia é pragmática, fria e calculista.
A sueca gosta de usar a cabeça. A escola escandinava de futebol — feminina e masculina — investe bastante na bola aérea. Assim foram construídos três dos quatro gols no jogo: cruzamentos das extremas e finalizações impecáveis. Na primeira, a ponta candanga Nycole Raysla presenteou Gabi Nunes. Na segunda, a lateral Antônia serviu Duda Sampaio. Gols de cabeça!
O Brasil apresentou alternativas pelas pontas e pelo centro. Parceira de Duda Sampaio nos desarmes e na armação pelo meio, Luana Bertolucci fez o gol mais bonito. Finalização impecável no ângulo esquerdo da goleira chilena Antonia Canales. Indefensável.
Os mais ranzinzas dirão que o Chile é um adversário frágil e está fora da Copa. Vale refrescar a memória: o adversário esteve na edição passada, na França, e terminou em terceiro lugar em uma chave dificílima. Estados Unidos e Suécia avançaram em primeiro e segundo, respectivamente. O técnico Luis Mena assumiu o Chile recentemente e inicia o ciclo para 2027.
Como esperado, a imposição aumentou na etapa final. Os lados do campo eram o melhor atalho para gol. Se Antônia deu assistência no primeiro tempo, Tamires assumiu esse papel no lance do quarto gol. Colocou a bola na cabeça de Geyse e dilatou o placar para 4 x 0 no Mané Garrincha.
Contra o Chile, Pia conseguiu combinar a mentalidade vencedora dos Estados Unidos e a organização defensiva da Suécia. Usou as pontas e as bolas cruzadas para a área como velho recurso escandinavo a fim de superar o a retranca do Chile em um simulado para duas partidas contra adversários similares na Copa do Mundo: Panamá e Jamaica.
A França é outro patamar. Demandará um planejamento de jogo bem mais minucioso da comandante verde-amarela. Exigirá o melhor de Marta. A Rainha teve o nome gritado, entrou em campo, porém aquém do nível de excelência. A boa notícia é que Pia preparou o Brasil para se virar sem a jogadora seis vezes melhor do mundo. Foi assim na Finalíssima contra a Inglaterra e no amistoso com a Alemanha.
Na mesma entrevista de 2019, Pia diz o seguinte sobre Marta: “Quero uma equipe coesa. Essa é a minha meta, o meu objetivo. Uma estrela precisa de um trabalho de equipe e uma equipe precisa de uma estrela”. Marta é a cereja do bolo. Portanto, o que vier da nossa fora de série será lucro.
Boa viagem, Brasil!
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