53613616704_c4c0b8cd67_c A Espanha, de Luis de la Fuente, levou Dorival Júnior ao limite no campo das ideias. Foto: Rafael Ribeiro/CBF A Espanha, de Luis de la Fuente, levou Dorival Júnior ao limite no campo das ideias. Foto: Rafael Ribeiro/CBF

As lições de Inglaterra e Espanha no batismo de fogo de Dorival Júnior

Publicado em Esporte

Em um resenha com o amigo Luiz Prósperi na Data Fifa, usei a metáfora de que a Seleção é um terreno baldio com caminhões chegando lotados de material de construção enquanto o mestre de obra Dorival Júnior seleciona operários capazes de erguer a toque de caixa um empreendimento cinco estrelas para disputar a Copa América em curto prazo, e o Mundial em 2026. Culpa do ano jogado fora em 2023. Dito isso, a turnê do Brasil pela Europa é satisfatória do ponto de vista dos resultados. Não se despreza uma vitória contra a Inglaterra, em Wembley; e um empate por 3 x 3 com a Espanha, no Santiago Bernabéu, depois de estar perdendo por 2 x 0 — e por 3 x 2 — nos minutos finais.  Os placares, porém, não podem empurrar sujeira para baixo do tapete.

 

Inglaterra e Espanha expuseram o óbvio. Temos problemas gravíssimos nas laterais. Carências difíceis de resolver, mas Dorival Júnior precisa ter criatividade e coragem para enfrentá-los. Ele não pode ter vergonha, por exemplo, de usar um lateral-zagueiro. Basta olhar, por exemplo, para aquela França campeã mundial em 2018. Didier Deschamps se virou com Pavard na direita e Lucas Hernández na esquerda. Dois beques de origem. Lá atrás, em 2014, Joachim Löw brindou a Alemanha com o tetra. Havia um zagueiro-zagueiro na lateral-esquerda: Höwedes era um dos pilares do sistema defensivo.

 

Dorival Júnior pode delegar a lateral-direita a Éder Militão quando o zagueiro estiver apto a voltar, e explorar o que Danilo oferece de melhor no momento, aos 32 anos. A idade e as lesões na carreira não permitem mais ao lateral de origem suportar mano a mano com pontas adversários como Nico Williams e/ou Lamine Yamal. Ele é capitão da Juventus como zagueiro em uma linha de três defensores sob o comando de Massimiliano Allegri.

 

Fabrício Bruno e Beraldo deram para o gasto nos dois amistosos, mas ainda não são os caras para a Copa América e muito menos o Mundial de 2026. É preciso apostar em opções acostumadas a confrontos de altíssima intensidade. Fabrício Bruno trabalha no Brasil. Beraldo joga na França. A dificuldade só aumenta para ele na Champions League. Bremer, Gabriel Magalhães, Marquinhos e o próprio Danilo, adaptado ao setor, são as alternativas.

 

Ainda sobre a defesa, os goleiros quase intocáveis Alisson, Ederson e Weverton ganharam um fortíssimo concorrente. Bento é um dos pontos altos da turnê. Além de carimbar vaga na Copa América, ele escancarou as portas do mercado europeu. É questão de tempo para a fábrica do Athletico-PR ganhar dinheiro com mais uma venda de arqueiro. Foi-se Weverton, Santos e, logo, logo, o Furacão encherá os cofres com “São Bento”.

 

Exalto a coragem de Dorival Júnior ao escalar o Brasil sem um cão de guarda à frente da defesa, mas nem sempre dá para ser assim. Bruno Guimarães, João Gomes e Lucas Paquetá não são bons marcadores. A Seleção não contava com Casemiro, mas dispunha de Douglas Luiz para ocupar esse papel. Faz isso na temporada do Aston Villa. André exerce essa função no Fluminense sob o comando de Fernando Diniz. A definição dos volantes/meias é importantíssima para a segurança na saída de bola. Quando Inglaterra e Espanha avançaram a marcação, a saída de bola do Brasil foi caótica. Retrato do início de trabalho, claro, da repetição dos mecanismos de construção da jogada lá de trás, a partir do goleiro.

 

O plano de jogo também não pode ser o mesmo para todos os jogos. A Inglaterra tem um estilo. A Espanha, outro. O trio de meias não funcionou na batalha do meio de campo contra Fabían Ruiz, Dani Olmo e o maestro Rodri. O trio dominou o setor com facilidade.

 

Jogos de alta performance também demandam decisões rápidas. O Brasil sentiu falta disso nas eliminações contra Bélgica e Croácia nas últimas duas Copas. Não é recomendável deixar para o intervalo decisões que precisam ser tomadas com o jogo em andamento. Para sorte de Dorival Júnior, o goleiro Unai Simón entregou a bola nos pés de Rodrygo e o Brasil foi para o intervalo perdendo por 2 x 1. Aí, sim, a leitura tática do técnico transformou a Seleção no segundo tempo, principalmente com Andreas Pereira auxiliando Lucas Paquetá na armação, e André no lugar de Bruno Guimarães na tentativa de blindar a defesa.

 

O ataque tem problemas em uma das pontas. Raphinha não corresponde desde a Copa do Mundo no Catar. Tite insistiu nele até o fim. Ramon Menezes, Fernando Diniz e Dorival também. No entanto, o campo mostrou que ele merece, no mínimo, o banco neste momento. A entrada de Endrick no lugar dele mudou radicalmente o jogo.

 

Por falar em Endrick, ele volta da turnê pela Europa como certeza para a sequência do trabalho. Aos 17 anos, o menino enfrentou três seleções campeãs mundiais em quatro jogos e fez gol em duas delas: Inglaterra e Espanha. Não marcou contra a tricampeã Argentina nem na estreia contra a Colômbia. Lucas Paquetá é imprescindível ao meio de campo. Fernando Diniz não conseguiu tê-lo devido às denúncias do suposto envolvimento em manipulação de resultados. O meia, inclusive, é pretendido pelo técnico Pep Guardiola na janela de transferências para a próxima temporada do Manchester City.

 

Se a ideia é ter um trio de ataque na frente, Rodrygo e Vinicius Junior mostraram a Dorival Júnior que podem, sim, ser dois deles. Falta um camisa 9 para facilitar a vida dos deles. Um lance no primeiro tempo do empate com a Espanha deixa isso claro. Rodrygo e Vini se aproximam, tabelam, Vini invade a área e chuta fraco porque faltava um centroavante na área para receber a assistência. Por sinal, Vini falhou muito nas finalizações nessa Data Fifa. Raphinha não fechou da direita para o centro. Não acompanhou a trama. Endrick larga na frente.  Vitor Roque e Pedro merecem testes. Richarlison é uma espécie de bola de segurança por ter sido o nove na última Copa do Mundo.

 

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