Como a ameaça de Bolsonaro assinar MP acelerou aprovação do projeto que suspende cobrança de dívidas fiscais dos clubes na pandemia, altera Lei Pelé e muda Estatuto do Torcedor na pandemia

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Texto permite contratos de 30 dias com atletas enquanto durar a pandemia. Foto: Vasco

A quarta-feira começou com cheiro de derrota e terminou com sabor de vitória para os articuladores do Projeto de Lei 1013/20, que suspende os pagamentos das parcelas devidas pelos clubes ao Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro (Profut). Alterações na Lei Pelé e no Estatuto do Torcedor eximem as agremiações de serem acusadas de mora contumaz devido ao não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias do jogador profissional; autoriza as entidades a firmar contratos de trabalho com atletas profissionais por prazo mínimo de 30 dias; e aumenta para sete meses o prazo para veiculação de demonstrações financeiras conforme determina a Lei Pelé. Tudo isso interessava ao presidente Jair Bolsonaro — maior defensor da retomada do futebol — e valerá enquanto durar a pandemia do novo coronavírus. O texto segue agora para apreciação do Senado.

O dia começou tenso para o autor do projeto original, o deputado Hélio Leite (DEM-PA) e o relator Marcelo Aro (PP-MG), que apresentou substitutivo. Ambos acordaram com a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro assinaria Medida Provisória de Flexibilização do Futebol, notícia divulgada primeiro pelo colega Igor Siqueira, em O Globo. O blog entrou em contato com Marcelo Aro pela manhã. O político não escondeu o descontentamento com a movimentação do Palácio do Planalto por um texto semelhante aos que entraria na ordem do dia na Câmara.

“Não comento especulações. O que temos de concreto é o PL que será votado hoje (ontem)”, desconversou Aro, com respostas monossilábicas a outros questionamentos. Diretor de relações institucionais da CBF, o deputado disse que não sabia a razão da vinda, por exemplo, do presidente do Flamengo Rodolfo Landim a Brasília para encontro com Bolsonaro. O fato é que a assinatura da MP estava na agenda de Bolsonaro e simplesmente desapareceu.

“Essa suspensão das parcelas será uma maneira eficaz de trazer alívio a essas entidades”

Marcelo Aro, deputado federal pelo PP-MG, relator do Projeto de Lei, em entrevista ao site da Câmara dos Deputados

Sumiu porque o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) convenceu Bolsonaro a desistir da ideia para não enfraquecer o projeto que tramita no Congresso Nacional. A pressão funcionou e Bolsonaro rapidamente desistiu da cerimônia que seria realizada logo depois da posse do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Rodolfo Landim ficou com sorriso amarelo no evento, totalmente deslocado. Afinal, não estava ali para fazer média com Fábio Faria.

Mais tarde, em entrevista ao site da Câmara dos Deputados, Marcelo Aro respirou aliviado com a força-tarefa que tirou a tinta da caneta de Bolsonaro e manteve o holofote sobre os articuladores do projeto. “Essa suspensão das parcelas será uma maneira eficaz de trazer alívio a essas entidades”, comentou o relator, a 24 horas da retomada do futebol no Brasil. O Flamengo receberá o Bangu nesta quinta-feira, no Maracanã, pela Taça Rio, segundo turno do Carioca.

“Isso aí (contrato de no mínimo 30 dias) nós concordamos para finalizar os estaduais. Somente isto, e na pandemia”

Felipe Augusto Leite, presidente da Fenapaf, em entrevista ao blog

Os deputados Marcelo Ramos (PL-AM) e Samuel Moreira (PSDB-SP) também apoiaram a decisão. “É sensível tanto aos clubes quanto aos profissionais”, avaliou Ramos. “Com a pandemia, o futebol foi paralisado e os clubes ficaram sem receita”, emendou Maia.

Em entrevista ao blog, o presidente da Federação Nacional dos Atletas Profissional de Futebol avaliou a flexibilização do tempo de contrato com jogadores para 30 dias. “Isso aí nós concordamos para finalizar os estaduais. Somente isto, e na pandemia”, comentou.

Em dezembro do ano passado, a CBF publicou estudo segundo o qual 55% dos jogadores no País ocupam a faixa salarial de até R$ 1 mil por mês, o equivalente a um salário mínimo. Outros 33% recebem de R$ 1 mil a R$ 5 mil. São 90 mil profissionais. “A decisão voltada especificamente para essa atividade torna a aplicação imediata, principalmente em relação à possibilidade de celebração de contrato de trabalho por período inferior a três meses. No caso, são 30 dias, o que é essencial porque permite a continuidade dos campeonatos estaduais”, analisa Maurício Corrêa da Veiga, especialista em direito esportivo e sócio do Corrêa da Veiga Advogados.

O que muda com a aprovação do Projeto de Lei*

– Suspensão de pagamento

Pelo texto, os clubes de futebol voltarão a pagar os débitos ao fim do estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional. O valor consolidado das parcelas suspensas será incorporado ao saldo devedor e diluído nas prestações vincendas, sem alteração do prazo original. A prorrogação não afastará a incidência de juros prevista em lei.

– Contrapartidas

Emenda do Psol aprovada pelo Plenário assegurou que, com a suspensão das dívidas na pandemia, os clubes de futebol deverão garantir o pagamento dos salários dos empregados que recebem até duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), atualmente de R$ 6.101,06 por mês.

– Blindagem

Um dispositivo protege os clubes de serem acusados de mora contumaz no não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias do jogador profissional. Essa acusação permite que o atleta peça a rescisão do contrato unilateralmente. A regra valerá por até 180 dias após o fim da situação de calamidade.

– Contratos de 30 dias

O substitutivo autoriza entidades desportivas a celebrar contratos de trabalho com atleta profissional por prazo mínimo de 30 dias em 2020 ou enquanto perdurar o estado de calamidade. Além disso, o Estatuto do Torcedor passará a determinar que surtos, epidemias e pandemias são causa para eventuais mudanças em competições.

– Mais prazo para transparência

Entidades desportivas de âmbito profissional ganharam mais sete meses para veiculação de demonstrações financeiras conforme determina a Lei Pelé. O balanço de cada clube deveria ter sido publicado até 30 de abril, como determina a Lei Pelé. Também só poderão ser punidas ‒ eventual inelegibilidade ou afastamento de dirigentes ‒ se não apresentarem as contas após trânsito em julgado de processo administrativo ou judicial.

*Fonte: site da Câmara dos Deputados

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Marcos Paulo Lima

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