Ao incitar Neymar a peitar o Barça, Dunga repete perrengue que teve com Kaká e o Milan em 2008

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O tempo passa e a Confederação Brasileira de Futebol continua recorrendo à tática de colocar seus principais convocáveis em rota de colisão com os clubes. O último parágrafo da nota oficial da CBF na última sexta-feira incita Neymar a entrar no ringue para travar uma batalha com quem paga seu salário — o Barcelona — a fim de que ele possa disputar a Copa América Centenário, nos Estados Unidos, cuja convocação é no próximo dia 5 de maior, e os Jogos Olímpicos do Rio-2016. “Neymar Jr. já anunciou publicamente que deseja disputar as duas competições pela Seleção Brasileira e contamos, também, com o seu esforço perante o clube”, diz o texto assinado pelo diretor de seleções, Gilmar Rinaldi.

Já vi esse filme. Dunga também. E gerou um desgaste danado…

Na primeira passagem pelo cargo, o técnico da Seleção Brasileira ficou sem Ronaldinho Gaúcho e Kaká na Copa América de 2007, na Venezuela. Ambos alegaram cansaço. Precisavam de férias. Mandaram uma carta formal à CBF pedindo dispensa do torneio. Dunga torceu o nariz. E citou o xodó da época como exemplo. “O Robinho nunca mede esforços para estar com a Seleção. Está conosco em todas as oportunidades, independentemente do sacrifício. Isso acaba sendo levado em conta”.

O ambiente ficou pesado. Houve desconfiança de falta de comprometimento. E até um certo castigo pós-Copa América. No primeiro jogo depois da conquista do torneio, Dunga chamou Kaká e Ronaldinho Gaúcho. Mas ambos amargaram o banco de reservas na escalação inicial da vitória por 2 x 0 sobre a Argélia. Kaká entrou em campo durante o jogo no lugar de Elano. E Ronaldinho Gaúcho substituiu Julio Baptista ao longo da partida.

O coerente Dunga faria o mesmo com Neymar se descobrir um time e conquistar a Copa América Centenário sem o camisa 10, capitão e maior artilheiro em atividade da Seleção?

Quando pediram dispensa da Copa América de 2007, Ronaldinho Gaúcho e Kaká vinham de uma sequência de competições no meio do ano bem menor do que a de Neymar. R10 e Kaká abriram mão de parte das férias pela Copa das Confederações de 2005 e a Copa do Mundo de 2006. Desde que estreou na Seleção principal, Neymar jogou a Copa América de 2011, os Jogos Olímpicos de Londres-2012, a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo de 2014 e parte da Copa América de 2015. Sem contar o Sul-Americano Sub-20 de 2011, no Peru, que serviu como Pré-Olímpicos para Londres-2012.

Se for o técnico da Seleção no Rio-2016, Dunga vai contar com Neymar. Mas Dunga também quer o jogador desprezado por ele na lista final da Copa de 2010 na edição especial da Copa América. Tal como fez no passado com Kaká e Robinho, incita Neymar a pressionar o Barcelona a liberá-lo para as duas competições. O cenário que se desenha lembra demais o dos meses anteriores ao anúncio da lista dos convocados para os Jogos Olímpicos de Pequim-2008. Dunga queria Kaká e Robinho. Cobrou de ambos uma postura firme diante do Milan e do Real Madrid. Ficou sem os dois e engoliu Ronaldinho Gaúcho, convocado pelo então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, no Jornal Nacional, antes do clássico entre Brasil e Argentina no Mineirão, pelas Eliminatórias para a Copa de 2010.

Kaká comprou a briga de Dunga. Peitou o Milan. E se deu mal tanto no clube quanto na Seleção. Manifestou ao clube o desejo de ser um dos jogadores acima dos 23 anos na lista de Dunga. Ao técnico, o Kaká disse que o clube não o liberou. Publicamente, o dono do Milan, Silvio Berlusconi, deu outra versão e revoltou Dunga. “Ele é que não quer ir. Diz que está cansado”, disparou o então primeiro-ministro italiano em uma reunião do G-8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo, Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Canadá e Japão, mais a Rússia).

A temperatura subiu. Kaká teve de se defender publicamente. Em nota oficial, deixou claro a Dunga que mantinha o desejo de ir aos Jogos de Pequim-2008, que o veto partiu de Adriano Galliani e que desconhecia o contexto em que Silvio Berlusconi se pronunciou. Dunta respondeu em tom enigmático. “Quando você está numa posição de comando, às vezes tem que tomar decisões que não são simpáticas, que sangram e doem. Às vezes você tem que ter coragem de ir contra aquilo que a mídia está pregando e descartar algum jogador que não apresenta espírito de seleção”, declarou antes de um amistoso contra o Canadá.

No fim das contas, Kaká não foi à China. Muito menos Robinho, apontado como referência de comprometimento. O Real Madrid alegou que o atacante tinha uma lesão no púbis e precisaria de um período de recuperação. “Infelizmente, não poderei estar com a Seleção. O clube acha melhor que eu faça uma boa pré-temporada”, desculpou-se Robinho.

Os próximos capítulos da novela Neymar são perigosos. Em vez de assumir a responsabilidade sozinha da possível ausência de Neymar na Copa América Centenário, a CBF decidiu dividir, quem sabe, terceirizar a responsabilidade pela ausência do craque na convocação do próximo dia 5 de maio. Kaká, Ronaldinho Gaúcho e Robinho ficaram queimados. Dunga pelo cargo. A batata quente, agora, está com Neymar.

A escalação do Brasil no título da Copa América 2007
Doni
Maicon, Alex, Juan e Gilberto
Mineiro, Josué, Elano (Daniel Alves) e Júlio Baptista
Vágner Love (Fernando) e Robinho


A primeira escalação pós-Copa America 2007

Doni (Julio Cesar)
Maicon (Daniel Alves), Alex Silva, Naldo e Kléber
Mineiro (Lucas Leiva), Josué (Fernando), Elano (Kaká) e Júlio Baptista (Ronaldinho Gáucho)
Vágner Love e Robinho (Diego)