Ricardo Teixeira demitiu Emerson Leão no aeroporto. José Maria Marin dispensou Mano Menezes no vestiário do Estádio La Bombonera depois de uma conquista nos pênaltis contra a Argentina no Superclássico das Américas. Marco Polo Del Nero esperou Dunga retornar da Copa América Centenária dos Estados Unidos em 2016, o convidou a ir até o gabinete e anunciou o fim da segunda era. Ednaldo Rodrigues também escolheu fazer uma rescisão humanizada. Cumpriu o rito do RH, esperou Tite desfrutar dos 30 dias de férias — o contrato era CLT — e oficializou o desligamento pessoalmente, olhos nos olhos, nesta terça-feira. Há um detalhe, porém: o treinador havia avisado antecipadamente que não ficaria no cargo depois da Copa do Mundo do Qatar-2022.
Isso aconteceu há quase um ano. Era 25 de fevereiro de 2022. Tite revelou a decisão no programa Redação SporTV, de Marcelo Barreto. “Vou até o fim do Mundial. Não tenho por que mentir aqui”, afirmou (assista ao vídeo abaixo). Portanto, é um absurdo que não se tenha pensado e escolhido um sucessor em 11 meses. Eliminada por Marrocos nas oitavas de final, a Espanha rescindiu com Luis Enrique em 8 de dezembro, anunciou o sucessor Luis de la Fuente e o apresentou oficialmente seis dias depois. Portugal rompeu com Fernando Santos e contratou o espanhol Roberto Martínez. Em comum, agiram rapidamente. Hoje, a CBF não tem sequer um projeto para a Copa de 2026 com início, meio e fim. Um cabeça. Há apenas cortes de cabeça.
O fato é que o prazo do presidente Ednaldo Rodrigues para tomar uma decisão inédita na carreira de dirigente se estendeu demais e o colocou contra a parede. Quando Tite deixou claro publicamente que sairia, o presidente nem havia sido eleito. Assumiu, em março de 2022, ciente dessa demanda, mas deixou o problema na gaveta à espera do resultado na Copa do Mundo. Houve tempo de sobra para a elaboração de um caminho para a Seleção, a definição do projeto, do perfil do profissional, a ida ao mercado para a negociação com o escolhido e a definição antes mesmo do início da campanha no Oriente Médio.
Gigantes do futebol europeu costumam agir antecipadamente. Vamos a um exemplo: em 2013, Jupp Heynckes levou o Bayern de Munique ao título da Champions League sabendo o nome e país de origem do sucessor. Pep Guardiola havia sido anunciado pela diretoria do clube em 16 de janeiro de 2013, seis meses antes do encerramento da temporada. Aparentemente, isso motivou Heynckes ainda mais. Ele ganhou o Alemão, Copa da Alemanha e Champions League antes de entregar o cargo. Guardiola assumiu conhecendo o elenco. O nome disso é planejamento em longo prazo. O caminho estava pronto para a transição.
Uma decisão que poderia ter sido tomada com meses de antecedência será resolvida a toque de caixa. Ednaldo Rodrigues jura que ainda não convidou ninguém. Partindo do princípio de que isso é verdade, o cenário coloca o dirigente numa encruzilhada ética.
Os principais nomes especulados estão empregados. Roma (José Mourinho), Real Madrid (Carlo Ancelotti), Manchester City (Pep Guardiola) e Fenerbahçe (Jorge Jesus), por exemplo, vão achar bacana um possível assédio da CBF aos seus profissionais? Não!
O problema é ainda pior no Brasil. A temporada por aqui está começando. Nomes como Fernando Diniz (Fluminense), Abel Ferreira (Palmeiras), Mano Menezes (Internacional) e Renato Gaúcho (Grêmio) estão iniciando trabalhos. Escolheram reforços a dedo. Impossível não haver desgaste da CBF com algum desses clubes se o presidente cobiçar um deles.
Em tese, o melhor caminho a essa altura é procurar por técnicos desempregados a fim de evitar problemas institucionais. Mencionado pela imprensa espanhola, Luis Enrique está no mercado desde a eliminação da Espanha nos pênaltis contra Marrocos. Pesa a favor dele o fato de ter liderado Neymar no Barcelona. Ganharam juntos a Champions League em 2015. Zinedine Zidane não trabalha desde o adeus ao Real Madrid. Lidou no clube com uma legião de brasileiros. Não deu moral a Vinicius Junior como o sucessor Carlo Ancelotti. Ele esperava suceder Didier Deschamps na França, mas o parceiro no título de 1998 renovou.
Protagonista do 7 x 1, a pior derrota da Seleção Brasileira, o alemão Joachim Low está de bobeira. O argentino Marcelo Gallardo cortou o cordão umbilical com o River Plate e aguarda ofertas. Entre as alternativas portuguesas focadas em seleções há Carlos Queiroz. O ex-auxiliar de Alex Ferguson, ex-técnico do Irã e ex do Real Madrid, comandou Cristiano Ronaldo na Copa de 2010 na África do Sul, passou pela Colômbia na América do Sul e liderou o Egito no continente africano. Paulo Bento deixou a Coreia do Sul depois da queda nas oitavas de final contra o Brasil e namora com a Polônia, de Lewandowski. Passou pelo Cruzeiro e sabe que o Brasil não é para amadores.
O mercado nacional também tem seus desempregados. Cuca conquistou quase tudo com o Atlético-MG em 2021. Só faltou a Libertadores. Pelos critérios antigos da CBF, ou seja, a prova de títulos no ato da contratação, que levou nomes como Vanderlei Luxemburgo, Mano Menezes e Tite ao poder, Cuca seria tranquilamente o primeiro da fila. No entanto, pesa contra ele um passado tenebroso que sempre volta à tona quando ele inicia um trabalho: o caso de estupro coletivo em Berna, na Suíça, em 1987, numa excursão do Grêmio. Dorival Júnior acaba de levar o Flamengo ao tetracampeonato na Copa do Brasil e ao tri na Libertadores.
O processo seletivo da CBF nunca foi tão complexo. Faltam opções unânimes no Brasil, sim, mas elas não devem ser descartadas. Quem diria, em 2018, que Lionel Scaloni levaria a Argentina ao tri em 2022? Ninguém em sã consciência. E levou. Há de existir alguém no futebol brasieliro com uma varinha de condão semelhante. O clamor por um profissional estrangeiro é natural. Vivemos essa nova fase desde o fim da Copa de 2014. Aos supersticiosos de plantão, inclusive o presidente Ednaldo Rodrigues, resta uma importante lembrança: a Copa jamais foi conquistada por técnicos estrangeiros. Em 22 edições, apenas o austríaco Ernst Happel chegou perto da façanha no vice da Holanda em 1978. Sim, vai rolar aquele discurso de que tabus servem para serem quebrados”. Mas que tabu, não!
Ednaldo Rodrigues diz que tomará a decisão sozinho. Ao contrário de alguns antecessores, gosta de ver e ler sobre futebol, porém tem sido pressionado por muitos interessados em influenciá-lo. Há, sim, quem esteja disposto a colaborar, a pensar na Seleção Brasileira, mas é preciso ter muito cuidado com os mal intencionados.
É importante definir o técnico em parceria com o novo diretor de seleções sob pena de a CBF montar uma comissão técnica Frankenstein ou uma Torre de Babel em que ninguém se entende simplesmente porque não há conexão entre eles. O processo está 11 meses atrasado e se tornou complexo. Sem necessidade. A CBF teve tempo de sobra para escolher e desperdiçou.
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