Era uma vez um presidente da Confederação Brasileira de Futebol nacionalista até o último fio de cabelo que soltou a seguinte patacoada depois do 10 x 1. “Os técnicos brasileiros não precisam se reciclar com estrangeiros, nós ainda somos o único país pentacampeão do mundo”. Enquanto o autor da frase, José Maria Marin, cumpre prisão domiciliar nos Estados Unidos, Adenor Leonardo Bachi, o Tite, acaba de provar com a conquista do hexacampeonato do Corinthians o quanto o ex-presidente da CBF estava errado ao desprezar o intercâmbio.
Em 2012, entrevistei Tite por telefone para o Correio durante quase uma hora. Não o conheço pessoalmente, mas a conversa foi suficiente para perceber o quanto Tite é estudioso, obstinado por aprender. Foi justamente o que ele fez depois de levar o Corinthians às conquistas do Campeonato Brasileiro, da Libertadores e do Mundial de Clubes. Arrumou as malas e colocou os pés no mundo em busca de conhecimento. Quando Dunga foi escolhido por José Maria Marin e Marco Polo Del Nero para suceder Luiz Felipe Scolari, fiz uma matéria com o título só “Faltou QI” para mostrar o quanto Tite havia se preparado para assumir a Seleção Brasileira depois da Copa de 2014 e estava frustrado. A ideia era desvendar todos os passos do treinador durante o ano sabático.
Após o fim da segunda passagem pelo Corinthians, em 2013, Tite passou sete dias no Real Madrid. Acompanhou quatro treinamentos, três jogos do time comandado à época por Carlo Ancelotti e jantou com o técnico italiano como convidado. Conheceu a estrutura do clube merengue da base ao profissional, conheceu a logística e até como Carlo Ancelotti elaborava as preleções. Uma fonte próxima a Tite conta que ele admira, sim Pep Guardiola e José Mourinho, mas Carlo Ancelotti tem muito mais o seu perfil.
Depois da passagem pelo Real Madrid, Tite zarpou rumo a Londres. Passou dois dias no Arsenal e assistiu ao jogo do time comandado pelo francês Arsène Wenger contra o Bayern de Munique. Conheceu a estrutura, o CT, os campos de treinamento, a logística e o departamento de informática do clube inglês. Mas Tite não se contentou apenas com a Europa. Deu um pulinho em Buenos Aires e interagiu com o técnico mais vencedor da história do Boca Juniors — Carlos Bianchi. Acompanhou treinamentos e viu in loco uma exibição do time argentino.
Tite esperava colocar em prática o que aprendeu na Seleção. Desprezado pela cúpula da CBF, aplicou as teorias no retorno ao Corinthians. Tite trouxe na bagagem da Europa e da Argentina compactação defensiva e ofensiva, observou como os times chegam à frente, exigiu do Corinthians triangulações, troca de passes, marcação por setor e verticalidade. Taticamente, esses foram alguns dos segredos do sucesso do Corinthians.
Graças ao investimento em reciclagem, Tite começou a dar nós táticos nos colegas de profissão. Os adversários notaram que o intercâmbio fez diferença na carreira de Tite. E começaram a imitá-lo. Mano Menezes fez curso da Uefa em Portugal. Muricy Ramalho está louco para arrumar emprego a fim de colocar as novas ideias assimiladas no Barcelona em prática. Dorival Júnior procurou Pep Guardiola e brilha à frente do Santos.
Quem se conformou com o discurso nacionalista do prisioneiro de Nova York foi parar do outro lado do mundo. Vanderlei Luxemburgo chegou a dizer que não viu nada de novo na Copa de 2014. O professor tem urticária quando ouve a palavra reciclagem. Depois de quase rebaixar Cruzeiro e Flamengo, foi parar na China. Luiz Felipe Scolari, que também detesta ideia, é outro empregado na China. Dunga jura ter se reciclado tomando cafezinho com Arrigo Sacchi durante a Copa de 2014. Mas é Tite quem mostra na prática que o intercâmbio faz toda a diferença.
Um título que vale por três
Do título frustrado…
Na final do Campeonato Brasileiro de 1986, Tite era o camisa 8 do Guarani e ficou a poucos minutos de conquistar o título como jogador. O Guarani vencia o São Paulo por 3 x 2, no Brinco de Ouro da Princesa, quando Careca estragou a festa e levou a decisão para os pênaltis. O tricolor de Pita, Müller, Silas e Careca frustrou o sonho de Tite.
Guarani
Vice-campeão brasileiro 1986
Sérgio Neri
Marco Antônio, Gilson Jáder, Ricardo Rocha e Almir
Tosin, Tite e Marco Antônio Boiadeiro
Chiquinho Carioca, Evair e João Paulo
Técnico: Carlos Gainete (4-3-3)
… Ao bicampeonato pessoal
Frustrado como jogador, mas realizado como técnico. Ontem, Tite conseguiu, contra o mesmo São Paulo, colocar a mão na taça que esperava ter conquistado há 29 anos na derrota por pênaltis para o tricolor paulista. Montou o time mais moderno do país depois de um ano sabático e se consolidou como ameaça a Dunga na Seleção Brasileira.
Corinthians
Hexacampeão brasileiro 2015
Cássio
Fágner, Gil, Felipe e Guilherme Arana
Ralf
Elias, Renato Augusto, Jadson e Malcom
Vágner Love
Técnico: Tite (4-1-4-1)