A premissa do livro o círculo não é nova. Há semelhanças significativas com 1984, de George Orwell. Se você já leu esse, e deveria, vai perceber. Para os que não leram 1984, nem viram o filme, de 1984 também, a história se passa num futuro (não mais) distópico no qual a sociedade é controlada por um Estado comunista totalitário.
Seus problemas acabaram
O Círculo é o nome da corporação responsável por um milagre da internet: reunir todas as suas contas virtuais num único lugar. Nada de mil e uma senhas e quantas imagens de praia você está vendo. A única coisa que você tem que fazer é fornecer seu nome real. Com o fim da anonimidade, os trolls também desaparecem. Quem não ia querer isso? Em pouco tempo, essa empresa acaba engolindo todos os outros serviços. Imagine: alguém grande o suficiente para desbancar Google e Facebook!
A primeira parte do livro conta como o Círculo é maravilhoso, cheio de pessoas jovens, sonhadoras, inspiradoras, com a disposição e as condições de mudar o mundo, etc. Se você tem interesse em tecnologia, sabe a vibe.
Poder ser terror, pode ser comédia e pode ser fantasia
No mundo do Círculo, a vida vira aquela coisa bizonha retratada no primeiro episódio da terceira temporada de Black Mirror. Coisas importantes da sua vida dependem da sua interação nas redes sociais e da sua “nota”. Tudo é medido em termos de likes e dislikes.
Depois do kumbaya inicial, as coisas começam a degringolar quando câmeras de alta resolução do tamanho de um pirulito são reveladas. Logo o mundo é invadido por elas. Em qualquer lugar, pode haver uma câmera registrando suas ações em HD sem o seu conhecimento. A justificativa, como sempre, desde o xarope até as bombas no Iraque, é que é para o bem. As câmeras vão acabar com a violência.
Essas câmeras dão origem a um movimento de “transparência”. A pessoa aceita ter todos os seus movimentos filmados. A justificativa é que te fará uma pessoa melhor. Sabendo que você é visto, você se comporta. É a versão tecnológica do “Deus tá vendo”. Tenho vários problemas com isso, mas vou apenas dizer que, se você faz algo porque tem alguém vendo, você não vale a ação.
Essa ideia de transparência pode ser considerada uma extrapolação extrema do Wikileaks. E, enquanto acredito que governos devam ser transparentes por razões óbvias – lidam com recursos e vidas alheios –, não consigo encontrar justificativa razoável para exigir o mesmo de indivíduos. Toda essa história de, “se você não tem nada a esconder, não tem nada a temer” é esdrúxula. Todo mundo tem algo a esconder. Em algum lugar, há algum tempo, você falou ou fez algo, se arrependeu e gostaria que o mundo não soubesse. Você gostaria de ter sua foto de formatura do ensino médio rodando no Twitter? Ou fotos do baile após a colação? Sem contar os vídeos obscuros gravados com Tekpix.
O nível de vigilância e invasão vai só aumentando ao longo do livro, revelando a obsessão com controle que a maioria das pessoas tem. Saber da vida do coleguinha é alçado a direito humano fundamental nessa história. Quer algo mais aterrorizante do que isso? Ou, para outros, algo mais emocionante?
E, no momento mais 1984 do livro, temos esta pérola:
SEGREDOS SÃO MENTIRAS
COMPARTILHAR É CUIDAR
PRIVACIDADE É ROUBO
Cara, até o Tars sabe que honestidade é no máximo 90%.
Honestamente, espero que O Círculo nunca se torne realidade. Mas a vida tem a mania de provar que o Tiririca estava errado: pior do que está sempre dá pra ficar.
O Círculo, Dave Eggers – Ed. Companhia das Letras
Texto por:
– Dona Tereza –
“Saia do meu gramado!”