Furry fandom: personas animais misturam fantasia, sexualidade e identidade

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Você já ouviu falar do universo furry fandom? São pessoas que se identificam com personagens antropomórficos de características animais e incorporaram uma fursona (furry [peludo em inglês] +persona), trazendo a prática até para o âmbito sexual. A comunidade se expressa através de fantasias e arte para dar vida às suas fursonas.

Esse é o exemplo de Burai, ilustrador de furries e animes de 42 anos que acompanha o crescimento do fandom há 29 anos produzindo sua arte no meio. No universo furry, Burai descreve a expressão como o principal foco, sendo a sexualidade uma das facetas. Em um ambiente “acolhedor e desconectado da vida real”, o ilustrador nota a não-censura, a exploração e auto-descobrimento sendo estimulados, em contrapartida com a rejeição do moralismo.

No meio social dos furries, Burai relata ter amigos desinteressados em relacionamentos com “normies” (termo para pessoas de fora do fandom), porque “o entendimento já é nato entre os que fazem parte.” “Para nós, o erótico furry é apenas o normal, onde cabem também fantasias variadas. Para os outros, chama muita atenção por serem ‘criaturas’. Muitas pessoas usam o furry para experimentar desejos que talvez não vivam fora da arte”, afirma.

Para Burai, o fandom resulta em um espaço de liberdade sexual. “Até hoje a gente precisa disfarçar ou esconder qualquer trejeito que não seja o heteronormativo, imagina qualquer coisa além disso. O aspecto de abertura e aceitação da comunidade permite não só que você exista, mas que ache espaços e pessoas que compartilham daquilo que você gosta mas não tem coragem de admitir”, explica.

Quando se fala em furry e sexualidade, Burai relata um preconceito de que seriam “anormais” e “doentes sexuais”. No entanto, até dentro de comunidades de ilustrações explícitas, menores de idade não são permitidos.

Psicologia e sexualidade

Segundo Rafael Braga, psicólogo clínico especialista em terapia cognitiva comportamental, neuropsicologia e sexologia, a vivência da sexualidade através de personagens antropomórficos pode proporcionar uma liberdade sexual ao romper com travas mentais.

“As fantasias trazem novidade e estímulo visual, como acontece em outras práticas de roleplay com roupas temáticas ou cosplay de personagens famosos. Para muita gente, isso aumenta o desejo e a excitação, além de tornar o momento mais divertido e até prolongar a experiência”, explica sobre os estímulos visuais e sensoriais.

A persona criada funciona como uma extensão da identidade e dá espaço para desejos que talvez ficariam escondidos, conforme o especialista. “Os cuidados são os mesmos de qualquer prática: preservativo, testagem regular de ISTs, higiene e, principalmente, consentimento”, observa. “O risco mental aparece quando a pessoa passa a depender exclusivamente delas para se excitar ou se relacionar, evitando completamente a vida real. Nesse caso, pode existir uma fuga da realidade e até dificuldade em estabelecer intimidade fora desse universo.”

É fundamental esclarecer: furry não tem nada a ver com zoofilia. Rafael informa que a zoofilia envolve animais reais, o que é crime e abuso. Já o furry está no campo da fantasia, assim como acontece quando alguém erotiza um personagem de desenho ou quadrinhos. “Infelizmente, essa confusão gera estigmas e preconceitos, prejudicando quem só quer viver sua sexualidade de forma saudável”, acrescenta.

Para o psicólogo, a experimentação dentro desse universo pode aumentar a autoconfiança e reduzir inseguranças — vivência que deixa a pessoa mais à vontade com seu corpo e com seus desejos, refletindo de forma positiva na vida sexual cotidiana.

Dados peludos

A pornografia furry é extremamente comum entre membros do fandom, sendo os homes a maioria dos consumidores (96,3%), segundo pesquisas do grupo FurScience. Dentro da comunidade, 78,3% das furries mulheres relatam ter consumido pornografia do gênero.

Entre os homens do fandom, 50,9% do conteúdo artístico consumido é pornográfico, enquanto nas mulheres essa porcentagem é de 30,7%. Além disso, 17,1% dos homens acessam pornografia furry quase exclusivamente, comparado a 2,2% das mulheres.

O consumo pornográfico pode representar uma parte significativa do conteúdo procurado, embora não seja a principal motivação para participação na comunidade. Outra pesquisa do FurScience revela que, mesmo com o interesse sexual presente, a erotização não é o principal motivador para ingressar no fandom; trata-se de um elemento secundário ou derivado do interesse preexistente na comunidade furry.

Bianca Lucca

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