A pornografia está por toda parte e, para muitos, ainda é a principal referência sobre sexo. Mas quando o assunto é o orgasmo feminino, o que vemos na tela corresponde à realidade?
O Dia do Orgasmo, comemorado em 31 de julho, abre espaço para a uma reflexão crítica: se por um lado a pornografia pode ser uma ferramenta de descoberta, por outro distorce profundamente a experiência do prazer feminino, impondo expectativas que mais frustram do que libertam.
Segundo a psicóloga e sexóloga Alessandra Araújo, a pornografia mais consumida — o chamado conteúdo “mainstream” — representa o orgasmo feminino de forma extremamente artificial. “Mostra mulheres atingindo o clímax rapidamente, com intensidade exagerada, quase sempre com penetração vaginal como único estímulo. Isso ignora a necessidade comum da estimulação clitoriana direta e prolongada”, afirma. O resultado é uma narrativa irreal em que o orgasmo parece um botão mágico, facilmente acionado por homens, e que deve vir acompanhado de gritos e encenações dramáticas.
O relatório de 2024 do Pornhub Insights, plataforma de conteúdo adulto, revelou que o Brasil ocupa o 7º lugar no ranking entre os países que mais consomem pornografia no mundo. Tanto nacional quanto mundialmente, os homens são os que mais passam horas assistindo a esse tipo de material. A pesquisa anual registrou, contudo, um crescimento do público feminino em 38%. Entre os homens, a categorias favorita é a japonesa, enquanto as mulheres preferem conteúdos lésbicos.
Mas é possível consumir pornografia de forma mais consciente — e até positiva. Alessandra sugere: “Busque conteúdos mais realistas, éticos, que valorizem o prazer feminino. Use a pornografia como ferramenta de descoberta, não de comparação. E sempre converse com o parceiro sobre seus desejos e limites”. Quando assistida de forma crítica e consensual, a pornografia pode até ser um ponto de partida para conversas, exploração de fantasias e fortalecimento da intimidade.
Contudo, a especialista alerta que usar a pornografia como principal fonte de educação sexual é arriscado. “Ela não ensina sobre consentimento, comunicação, inseguranças ou limites. Reduz o sexo a um ato físico e frequentemente objetifica o parceiro”, diz. Além disso, algumas categorias acabam normalizando comportamentos violentos ou não consensuais, o que reforça padrões tóxicos e desumanizantes.
E quando um parceiro consome pornografia com frequência, pode sim surgir insegurança no outro. “É fundamental que haja diálogo aberto, escuta e validação mútua. O consumo não deve ser segredo, nem gerar comparação. O casal pode, inclusive, estabelecer limites juntos ou explorar esse conteúdo como algo compartilhado, desde que confortável para ambos.”
Incluir conteúdo erótico ou pornográfico de forma saudável no relacionamento é possível, desde que haja consciência e respeito. “Pornografia pode ser um catalisador de desejo, se usada com diálogo, curiosidade e sem a expectativa de replicar cenas. Mas o foco principal deve continuar sendo a intimidade real: a troca, o afeto e o prazer que nasce do encontro autêntico entre duas pessoas.”
Esse tipo de representação perpetua mitos que afetam profundamente a vivência sexual das mulheres. Entre eles, Alessandra destaca o mito do orgasmo vaginal automático, o do orgasmo instantâneo, o da mulher sempre disposta, o da performance perfeita e o da ausência de comunicação. “Essas ideias reforçam a crença de que o sexo não exige conversa, que o prazer é mecânico e que a mulher deve corresponder a esse roteiro performático, mesmo que não esteja conectada com ele”.
O impacto vai além da cama. O consumo constante de pornografia pode distorcer a percepção que mulheres têm de seus próprios corpos, além de afetar a autoestima. “Muitas se comparam com atrizes — corpos sempre depilados, sem dobras, com vaginas padronizadas — e começam a achar que seus corpos são errados. Isso gera vergonha e insegurança”, explica. Nos homens, o efeito pode ser igualmente nocivo: cria expectativas irreais sobre os corpos femininos e a performance sexual, levando à frustração e até disfunções, como a ansiedade de desempenho.
A pressão por uma performance sexual perfeita, alimentada por esses conteúdos, também prejudica a espontaneidade e a intimidade nos relacionamentos. “O sexo deixa de ser algo natural e vira um espetáculo com roteiro. Isso esfria a conexão emocional, porque a pornografia não ensina a lidar com a vulnerabilidade, com o ritmo do outro, nem com a diversidade dos corpos e desejos reais”, diz Alessandra. O sexo vivido sob o peso da comparação com cenas pornográficas perde sua leveza e autenticidade.
O orgasmo feminino, em especial, sofre as consequências dessa distorção. “Na pornografia, ele é quase sempre encenado. Muitas mulheres acham que o prazer delas precisa seguir aquele modelo explosivo. Quando seus orgasmos são mais sutis ou demorados, elas sentem que não estão ‘fazendo certo’, o que é completamente injusto”, explica a sexóloga. “Cada mulher sente de um jeito. E o prazer não precisa ser performático para ser legítimo.”
No fim das contas, o orgasmo — feminino ou masculino — deve ser libertador, e não mais uma fonte de cobrança. No Dia do Orgasmo, a reflexão proposta pela especialista é que possamos deixar de lado os roteiros irreais e abrir espaço para o prazer genuíno, vivido com consciência, afeto e verdade.
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