“Viver é muito perigoso”, diz Riobaldo. O personagem de Grande sertão: Veredas mora no sertão. Ali, cavalgando as distâncias solitárias, pensa nas artimanhas do demo. Uiiiiiiiiiiii medão! Até o nome da criatura assusta. Pronunciá-lo pode atrair sabe lá o quê. Melhor dizer sem falar. Denominações não faltam.
Eis algumas: Satanás, Satã, Lúcifer, anjo rebelde, belzebu, bruxo, dragão, espírito das trevas, maligno, maldito, anhangá, anhanguera, arrenegado, azucrim, beiçudo, bicho, bode-preto, bute, cão, canhoto, tinhoso, capeta, capiroto, coisa, coxo, cujo, exu, figura. E por aí vai. São todos eufemismos — manhas pra adoçar a palavra. E, no caso, apagar a carga mágica que ela carrega.
Ops! Xô, confusão
Luiz Serra se deliciou com a obra-prima da literatura brasileira. Depois, deu asas à imaginação. “Se o jagunço criado por Guimarães Rosa morasse na cidade”, concluiu, “não se importaria tanto com o diabo. Ficaria mais preocupado com o trânsito.” Prova? A campanha do Detran tem seu lado nobre, mas os dizeres podem confundir. “Pare na faixa”, é o que se lê. Não quer dizer parar sobre a faixa? Melhor estaria: Pare antes da faixa.
Trata-se de velha trapalhada. A preposição em faz a festa. Muitos se sentam “na mesa”. Disputam o espaço com o arroz, o feijão, a salada, o franguinho, o suco. Explica-se: o em significa sobre, em cima de. A gente põe o copo na mesa. A comida também.
Mas, pra indicar proximidade ou vizinhança, a história muda de enredo. É a vez da preposição a. Por isso a pessoa senta-se à mesa pra comer a comidinha que está na mesa, fica à janela pra espiar o movimento da rua, fica um tempão à porta conversando.
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