A palavra vírgula vem de longe. Nasceu no latim. Lá, queria dizer varinha. Também significava pequeno traço ou linha. Depois, virou sinal de pontuação. Indica pausa rápida, menor que o ponto. A criatura atravessou os séculos. No caminho, suscitou discussões. Alguns afirmam que empregá-la é questão de gosto. Outros, de respiração.Outros, ainda, acham que devem usar todas as vírgulas a que têm direito – as obrigatórias e as facultativas.
É o caso do amanuense Borjalino Ferraz. O homem estudou o assunto anos a fio. Aprendeu tudo. Esnobava o saber em ofícios e memorandos. Não deixava passar uma. O chefe reclamou do exagero. “Desse jeito”, disse ele, “o amigo acaba com o estoque. O município não tem dinheiro pra comprar vírgulas novas”. O puxão de orelhas entrou por um ouvido e saiu pelo outro. O prefeito não pôde fazer nada. Borjalino tinha estabilidade.
Variedade
Há situações e situações. Nalgumas, a vírgula é facultativa. Aí, não há erro. Acerta-se ou… acerta-se. Noutras, obrigatória. É o caso da separação dos termos coordenados, explicativos e deslocados. Os coordenados foram assunto da coluna anterior. Agora é vez dos explicativos.
O que é?
O termo explicativo tem várias caras. Uma é velha conhecida. Chama-se aposto. Lembra-se?
D. Pedro II, imperador do Brasil, morreu em Paris.
Os professores frisam que o aposto não faz falta. Pode cair fora. Verdade? É. Ele facilita a vida do leitor. Mas a ausência dele não causa prejuízo ao entendimento da frase. Se alguém não sabe quem é D. Pedro II, tem saída. Dá uma espiadinha num livro de história. Ou no Google. Está tudo ali. Compare as frases:
O presidente do Senado, Renan Calheiros, prepara nova viagem. O ex-presidente do Senado José Sarney deixou a política.
Por que um nome vem entre vírgulas e o outro não? As situações são pra lá de parecidas. É chute? Não. O segredo está no que vem antes do nome. No primeiro caso, é presidente do Senado. Quantos existem? Só um. Renan Calheiros é termo explicativo. Funciona como aposto. Daí as vírgulas.
Mas há mais de um ex-presidente. Se você não disser a quem se refere, deixa o leitor numa enrascada. Você pode estar falando de José Sarney, Ramez Tebet, Antonio Carlos Magalhães etc. e tal. Aí, só há um jeito: dar nome ao boi. José Sarney é termo restritivo. Não aceita vírgula.
Mais exemplos? Ei-los:
A capital do Brasil, Brasília, tem 2,5 milhões de habitantes. (O Brasil tem uma só capital.) O pai de João, Marcelo Silva, trabalha no Banco do Brasil. (João só tem um pai.) O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega vai processar quem o vaiou no restaurante. (Há um montão de ex-ministros da Fazenda.)
Enrascada
Às vezes, a gente se vê numa enrascada:
Meu filho Marcelo estuda na universidade.
Restritivo ou explicativo? Depende. Do quê? Do antecedente do termo Marcelo. Eu tenho um filho ou mais de um filho? Se um, o termo é explicativo. Se mais de um, restritivo.
Minha mãe, Rosa, mora em São Paulo. Minha tia Maria chega amanhã; minha tia Carla vem na próxima semana. Viu? Eu só tenho uma mãe. Rosa é termo explicativo. Tenho mais de uma tia. Maria e Carla são termos restritivos.
Serviço completo
Não fique pela metade. O termo explicativo vem presinho da silva. Ora entre vírgulas. Ora entre a vírgula e o ponto: Dom Casmurro, de Machado de Assis, é obra-prima do Realismo brasileiro. Comprei um Uno, carro da Fiat.
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