Vírgula 1 — termos coordenados

Compartilhe

A história é velha. Tão velha quanto andar pra frente. José Cândido de Carvalho conta o fato. Freixeiras, funcionário da Companhia de Água e Esgotos do Rio de Janeiro, tinha um grande orgulho. Era a única pessoa na repartição que sabia pôr as vírgulas no lugar certo. Todos o reverenciavam por isso. Ninguém ousava contrariá-lo. Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe. Um dia…

Chegou novo chefe. O mandachuva assinava a correspondência. Um pouco distraído, pediu a Freixeiras que tirasse certa vírgula de certo lugar. Freixeiras tremeu. Que ousadia! Ficou duas horas remoendo tira-a-vírgula-não tira-a-vírgula. Finalmente, decidiu-se. Foi à sala do diretor e intimou-o:

Ou eu ou a vírgula.

A demissão do Virgulino obrigou os demais servidores a deixar o comodismo. Para garantir o emprego, resolveram estudar. Consulta daqui, pesquisa dali, descobriram que o diabo não é tão feio quanto o pintam. O emprego da tão temida pausa obedece a três regras. A vírgula separa sempre. Um: termos coordenados. Dois: termos explicativos. Três: termos deslocados. Esta é a lição dos coordenados. Vamos a ela.

Que bicho é esse?

Coordenado significa “ordenado ao lado do outro”. Imagine que você esteja no cinema. Há vários espectadores. Um é independente do outro. Cada um tem sua cabeça, suas pernas, seus olhos. Eles escolhem um lugar e sentam-se. Para não ficarem embolados, o descanso da poltrona os separa. Os cinéfilos ficam coordenados.

Imitação

A língua imita a vida. Na frase, também aparecem termos independentes. A única relação entre eles é estarem postos um ao lado do outro. Sempre que numa oração aparecer mais de um sujeito, mais de um objeto, mais de um adjunto, haverá termos coordenados. Como os espectadores do cinema, eles precisam ser separados. Como? Há dois jeitos. Um deles é recorrer à vírgula. O outro, pedir ajuda à conjunção:

Paulo, Luís, João e Maria (sujeito composto) foram ao cinema.

Gosto de cinema, teatro, música (objeto composto).

José viaja de trem, carro, ônibus, avião (adjunto adverbial composto).

Pras cucuias

Na separação dos termos compostos, o e brinca de esconde-esconde. Ora aparece. Ora some. É capricho? Não. Ele manda um recadinho aos leitores. Examine as duas frases:

Na feira, comprei laranja, pera, maçã, abacate e figo.

Na feira, comprei laranja, pera, maçã, abacate, figo.

Reparou? A presença do e diz: comprei só as frutas enumeradas. Nenhuma mais. A ausência significa que comprei outras frutas além das citadas. Funciona como o etc.

Dad Squarisi

Posts recentes

  • Dicas de português

Dicas de português: Páscoa, coelhinhos e chocolate

A língua é pra lá de sociável. Conversa sem se cansar. E, no vai e…

2 anos atrás
  • Dicas de português

Os desafios da concordância com porcentagem

Porcentagem joga no time dos partitivos como grupo, parte, a maior parte. Aí, a concordância…

2 anos atrás
  • Dicas de português

Você sabe a origem do nome do mês de março?

O nome do mês tem origem pra lá de especial. O pai dele é nada…

2 anos atrás
  • Dicas de português

O terremoto na Turquia e a língua portuguesa

Terremoto tem duas partes. Uma: terra. A outra: moto. As quatro letras querem dizer movimento.…

2 anos atrás
  • Dicas de português

Anglicismos chamam a atenção na língua portuguesa

As línguas adoram bater papo. Umas influenciam as outras. A questão ficou tão banalizada que…

2 anos atrás
  • Dicas de português

A simplicidade na escrita dos nomes de tribos indígenas

Nome de tribos indígenas não tem pedigree. Escreve-se com inicial minúscula (os tupis, os guaranis,…

2 anos atrás