Violência contra a mulher e mídia

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Conta a mitologia que Agamenon foi lutar na guerra de Troia. Lá ficou 10 anos. Sem correios ou internet, a mulher pensou que ele tivesse morrido. E se casou de novo. Quando soube que Agamenon estava de volta, tramou com o novo marido a morte do ex.

O filho Orestes matou a mãe e o companheiro dela. Vingou o pai, mas cometeu o crime mais grave da Grécia. A pena para o matricida era a morte. Ele pediu socorro a Apolo. O deus o levou para ser julgado no tribunal. Foi então que Minerva presidiu o primeiro julgamento do mundo.

Doze cidadãos atenienses formavam o júri — cinco homens e cinco mulheres. A votação terminou empatada. Coube a Minerva o desempate. Ela declarou Orestes inocente.

O voto de Minerva teve consequências. Ele pôs fim ao matriarcado. Os homens assumiram o poder. E, fisicamente mais fortes, liberaram a violência contra a mulher.

Os mitos das grandes religiões os ajudaram a apresentar a mulher como portadora de maldades. E, por isso, merecedora de punição. Eva comeu a maçã, e os homens perderam o paraíso. Pandora trouxe a caixa que infestou a Terra de doenças, guerras e sofrimentos.

O Corão submeteu a mulher ao homem. O Torah diz que o homem é a cabeça do casal. Mitos orientais vão na mesma toada. “Bata na sua mulher”, mandam eles. “Você pode não saber por que está batendo, mas ela sabe por que está apanhando”.

Talvez por isso, o homem, dono e senhor da Terra, se sinta, também, dono e senhor de tudo o que nela existe. Até da mulher. E, como proprietário, autorizado a dispor da vida dela. Não é de hoje que homem bate em mulher. Não é de hoje que homem mata mulher. Na Bíblia, a mulher era apedrejada até a morte. Na Idade Média, era jogada na fogueira.

Assim é no mundo todo. Daí por que a ONU declarou o 25 de novembro o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher.

A violência não tem a ver com riqueza, pobreza, desenvolvimento, subdesenvolvimento. Ela ocorre no Gabão e nas sociedades mais avançadas. A Dinamarca, por exemplo, é o país onde mais se comete feminicídio na Europa. Na Suécia, Finlândia, Noruega, o estupro corre solto. E lá mulher exerce as mesmas profissões de homem, não há diferença de salário, a representação no parlamento é quase fifty fifty.

O Brasil está mal na foto. Segundo a ONU, é o pior país em violência de gênero na América Latina. É a quinta nação que mais mata mulheres no mundo, atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia.

Mata:

48 vezes mais que o Reino Unido

24 vezes mais que a Dinamarca

16 vezes mais que Japão e Escócia

As causas, segundo a ONU, são estruturais. Vêm lá de longe e persistem teimosamente:

  1. Sentimento de posse sobre a mulher
  2. Controle sobre o corpo dela
  3. Imposição de limites à emancipação
  4. Desprezo e ódio pela condição feminina

Ora, esses fatores sempre existiram. Por que só recentemente ganharam visibilidade e mereceram alguma resposta?

Fiquemos no Brasil:

1985 — Foi inaugurada 1ª delegacia da mulher (SP)

2006 — foi promulgada a Lei Maria da Penha e foram abertas Casas Abrigo

2015 — foi promulgada a Lei do Feminicídio

As providências legais acompanharam a visibilidade pública da mulher. Com o movimento feminista, a mulher saiu de casa. Deixou relegada à poeira do tempo a realidade retratada pelo Padre Antônio Vieira: “A mulher só deve sair de casa em três ocasiões: no batizado, no casamento e na morte”.

Ela saiu de casa. Quebrou paradigmas. Ocupou o maior número de vagas nas universidades. Disputa concursos públicos, cargos eletivos, assume direção de empresas.

A violência, que se passava entre quatro paredes, foi pra rua. Virou notícia. A imprensa tem papel importante no processo. Ao informar o que fazer num ato de violência, jogou por terra a tal história de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Mete sim. Até filhos pequenos, informados, salvam mães.

Há quem acuse a mídia de, ao divulgar a violência, estimular a violência. A denúncia é descabida. O jornalismo responsável busca a informação, não o sensacionalismo.

A perda de uma vida é grande prejuízo. A perda de uma vida sempre nos empobrece. “Não perguntes por quem os sinos dobram”, disse John Donne. “Eles dobram por ti.” Por isso, ao anunciar o fato, é importante deixar claros dois pontos:

  1. O assassinato poderia ter sido evitado?
  2. O crime teria ocorrido da mesma forma se a vítima fosse homem?

Estamos no século 21. A história e a ciência mataram os mitos. Também atualizaram a leitura dos textos religiosos. É hora de encarar a violência contra a mulher com nova pedagogia. De um lado, a repressão. De outro, a prevenção. A prevenção passa,  necessariamente, pela mídia e pelas salas de aula.

Escolas do Distrito Federal têm feito belo trabalho para mudar as crianças. A Escola 22 do Gama tem um projeto chamado Força, Substantivo Feminino. Com participação efetiva do conselho tutelar, UnB, OAB, o projeto fortalece o feminino das meninas e desenvolve sentimentos empáticos nos meninos. E informa. Filhos, informados, salvam mães.

A luta é pelo avanço da civilização. Para que não haja necessidade de socorro porque não haverá agressão. Meninas, como as da escola do Gama, serão mães que vão contribuir pra acabar com a perpetuação da cultura machista da sociedade.

Reduzir a violência contra a mulher é um processo desafiante. Todos buscam respostas. O Correio Braziliense há muito abraçou a causa. Desde a sua fundação, informa. Denuncia. Aponta trilhas. Cobra providências.

Colóquios como este iluminam caminhos. São pra lá de necessários. Pra lá de bem-vindos. Pra lá de frutíferos. Parabéns ao Correio pela luta — que é de todos nós.

(Dad Squarisi, na abertura do Colóquio Violência contra a Mulher e a Mídia)

Dad Squarisi

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