Que confusão! Trago e trazido têm dado nó no miolo de pais e alunos. A razão é simples. Por alguma razão que nem Deus explica, a moçada decidiu fazer economia de sílabas. A vítima preferida é o particípio. Em vez do “tenho trazido”, aparece o “tenho trago”. Como na língua impera a lei do menor esforço, a prática ganhou adeptos.
A adesão cresce como fogo morro acima e água morro abaixo. Os pés ganharam asas. O tal “tenho trago” chegou às escolas. Professores aqui e ali embarcaram na canoa furada e ensinam à criançada a forma preguiçosa. “Valha-nos, Deus”, exclamam os pais. Com razão. Na boca dos mestres, o horror ganha legitimidade. Acende-se a luz vermelha.
Dois em um
Trago joga em dois times. Um é trazer. O outro, tragar. Em ambos é a 1ª pessoa do singular do presente do indicativo: eu trago, ele traz, nós trazemos, eles trazem; eu trago, ele traga, nós tragamos, eles tragam.
A mesma forma para dois verbos às vezes provoca mal-entendidos. É o caso do patrão que não comprava cigarro, mas filava todos os dias um cigarrinho de manhã, outro depois do almoço, outro na saída do trabalho. O empregado, com dor no bolso, decidiu dar um jeito no abuso. Travou-se então entre ele e o mandachuva diálogo pra lá de divertido:
— O senhor fuma muito, não?
— Fumo, mas não trago.
— Pois devia trazer.
Viu? A graça da conversa reside no duplo sentido do trago. O patrão se referia ao verbo tragar. O empregado, ao trazer. Nós, que conhecemos os dois lados da história, entendemos o jogo. Rimos das possibilidades da língua.
Vez do trago
Guarde isto: trago adora a solidão. Intolerante, não aceita a companhia de nenhum verbo. Aparece sempre, sempre mesmo, sozinho da silva: Em dias de instabilidade, trago o guarda-chuva na bolsa. Trago pouco dinheiro no bolso, mas carrego cartão e cheques. Fumo, mas não trago.
Vez do trazido
O particípio dos dois verbos não tem nada a ver com o presente. O de tragar é tragado. O de trazer, trazido. Ambos se usam na voz passiva e nos tempos compostos. Aí, o verbo aparece casadinho com os auxiliares ser, estar, ter e haver: A fumaça é tragada pelo fumante. A fumaça está tragada. Ele tem trazido merenda para o lanche. Paulo havia trazido o agasalho. Por isso não passou frio.
Moral da história: como diz o outro, é lé com lé, cré com cré. Cada macaco no seu pé.
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