A língua imita a vida. No mundo das palavras ou no mundo dos homens, existem dois grupos de criaturas. Um trabalha. Cumpre horário, dá duro, concretiza as tarefas. O outro fica no bem-bom. Cultiva o faz de conta. Anda, telefona, toma cafezinho, espera o tempo passar. Em suma: o primeiro faz agora o que pode fazer depois. O segundo deixa pra amanhã o que pode fazer hoje. Se puder, pra depois de amanhã. Se der no jeito, deixa pra lá.
Vocábulos agem do mesmo jeitinho. Há os que se viram. Flexionam-se pra facilitar a vida do falante. Também há os que não estão nem aí. Deixam a bomba na mão de auxiliares ou do receptor — quem lê e quem escuta. Lidar com eles remete a velho provérbio popular: “Pra vencer o diabo, recorra a todos os demônios”. Vamos lá?
Não estou nem aí
A maior parte dos substantivos dá duro. Garoto serve de exemplo. Varia o gênero (garota), o número (garotos), o grau (garotinho). Mas há os que não estão nem aí. Ônibus, lápis, bônus mantêm-se invariáveis. Masculino, feminino, singular e plural — com eles é tudo igual.
Turma do sem
Ganhar o pão com o suor do trabalho? Valha-nos, Deus. Melhor dar asas às pernas. Como? Criativa, a língua oferece saídas. Uma delas: aliar-se ao monossílabo sem. Com ele é sem-sem-sem-sem — sem masculino, sem feminino, sem singular, sem plural. Assim: o sem-terra, a sem-terra, os sem-terra, as sem-terra; o sem-emprego, a sem-emprego, os sem-emprego, os sem-emprego; o sem-teto, a sem teto, as sem-teto, os sem-teto.
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