Altamiro Fernandes Cruz mora em Belô. Pra lá de curioso, tem interesse especial pela língua. Outro dia, dava uma espiadinha na revista Super interessante. O tema da capa lhe chamou a atenção. Tratava-se da matéria “Os verdadeiros donos do mundo”. O assunto não podia ser mais palpitante — vírus e bactérias. Eis o que leu: “Em 25 semanas esse vírus matou mais gente do que 25 anos de Aids. Chegou uma hora em que parentes das vítimas deixavam os corpos na rua para ser recolhidos. Era a gripe espanhola”. Ops! “Ser recolhidos? Não seria “serem recolhidos?”, pergunta. Eis a questão
Virgem Maria! Trata-se da armadilha do infinitivo. Os gramáticos discutem o assunto desde o século 13. Até hoje, nenhuma conclusão. São todos escorregadios como quiabo. Dizem que tem de ser singular. Dali a pouco, retrocedem: “Mas pode ser plural”. Quem entende? Nem Deus. O que fazer? Chutar? Não. É arriscado. Melhor seguir nossa dica. Você vai acertar sempre.
Altamiro, preste atenção ao verbo que lhe dá nó nos miolos: “Chegou uma hora em que parentes das vítimas deixavam os corpos na rua para ser recolhidos”. Ele é antecedido de preposição? É. (Para está lá firme e forte.) No caso, a concordância joga nos dois times com a mesma desenvoltura. Pode ser singular ou plural: Chegou uma hora em que parentes das vítimas deixavam os corpos na rua para ser recolhidos. Chegou uma hora em que parentes das vítimas deixavam os corpos na rua para serem recolhidos. Esses são os temas a ser tratados. Esses são os temas a serem tratados. Há formas a ser desenvolvidas pelos expositores. Há formas a serem desenvolvidas pelos expositores
O melhor
Se singular e plural merecem nota 10, vamos adiante. Qual a melhor forma? Os gramáticos dizem que depende da eufonia. Melhor é a que soa melhor. Escritores, poetas, gente pra lá de sensível prefere o singular. Olho vivo! É preferência, não imposição: Muitas das afirmações são abrangentes demais para ser aceitas ao pé da letra. Os presentes foram forçados a sair. Os clientes eram obrigados a esperar duas horas. As forças iraquianas impediram os jornalistas de trabalhar. Estudamos para aprender. Os trabalhadores cruzaram os braços para reivindicar melhores salários.
Limites
“Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com o Dops”, escreveu Graciliano Ramos. O autor de Vidas secas por certo pensava no infinitivo flexionado. Com criaturinha tão singular, não se pode tudo. Pode-se quase tudo. A regra tem uma exceção. Uma só. Não está ligada ao certo ou errado. Mas à clareza. Veja a frase:
Fechamos a janela para não sentir frio.
Gramaticalmente a frase não tem reparos. Quem fechou a janela? Nós. Quem vai sentir frio? Nós (o sujeito oculto é o mesmo da oração anterior). Mas há um senão: quem vai sentir frio não somos nós. No caso, precisamos dizer quem faz o quê. O jeito é flexionar o infinitivo — fazê-lo concordar com o sujeito a que se refere:
Fechamos a janela para (tu) não sentires frio. Fechamos a janela para (eles) não sentirem frio. Resumo da opereta
Guarde isto: infinitivo antecedido de preposição? A regra é o singular. A clareza ficou comprometida? Flexione o verbo.
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