Há leitores e leitores. Alguns são críticos. Leem os posts com lupa. Se descobrem qualquer falha, não deixam por menos. Reclamam. Outros não levam as coisas tão a sério. Sabem que tudo passa e, dias depois, vêm outro texto, outras propostas, outros desafios. Há também os que jogam nos dois times. Além de observadores implacáveis, são generosos. Dão sugestões pra lá de úteis.
Os palpites variam. Tratam de ortografia, concordância, regência, colocação de pronomes, flexão de verbos e nomes. E por aí vai. Um pedido veio com a marca da urgência. Assina-o João Rafa: “Trate do eis, pelo amor de Deus. O monossílabo me tira o sono. Cada vez que ensaio usá-lo, pintam questões e mais questões. O que exatamente significa? Posso dar-lhe a companhia do advérbio aqui? E do pronome átono? Dúvidas. Dúvidas. Dúvidas. E daí?”
Perguntas sem respostas
João Rafa, relaxe. A encucação não é só sua. Boa parte dos brasileiros arranca os cabelos diante dos mistérios que cercam as três letrinhas. Pra início de conversa, ignora-se de onde elas vêm. Palpiteiros afirmam que talvez provenham de heis ou haveis. Talvez. Certeza não há.
Além da curiosidade sobre o pai e a mãe da criatura, outra questão fica sem resposta. A que classe gramatical ela pertence? Ninguém sabe. Sem se enquadrar no time dos advérbios ou de outra equipe qualquer, ganha nome genérico — palavra que denota designação. Em bom português: ela mostra, aponta.
A língua é generosa. Não deixa o eis no desamparo. Acompanham-no outros esquecidos de Deus e dos homens. É o caso dos vocábulos que denotam exclusão (só, somente, unicamente), inclusão (outrossim), situação (quase, casualmente), retificação (aliás).
Significado & companhia
O que as três letrinhas significam? Resposta: aqui está. Ora, se está presente na etimologia, o aqui sobra. Mas a língua é tolerante. Mas, se você quiser reforçar a posição, o advérbio recebe sinal verde: Eis aqui o livro que você pediu. Eis aqui a mensagem da presidente eleita. Cadê o livro? Ei-lo bem aqui.
Convenhamos: o aqui pesa. A frase vive com mais leveza sem ele. Compare: Eis o livro que você pediu. Eis a mensagem da presidente eleita. Cadê o presente? Ei-lo.
Elitismo para dar e vender
O eis é pra lá de elitista. “Um é bom, dois é demais”, repete ele. Por isso só aceita a primeira pessoa. Ao empregá-lo, a criatura que fala indica ao ouvinte que algo ou alguém está perto no tempo, no espaço ou na ponta da língua — prestes a cair na boca do povo:
Jesus disse à mãe:
Eis, senhores, a resposta tão esperada.
Eis, finalmente, a data da formatura.
Surpresa
Às vezes, o eis aparece na companhia do que. Forma, então, o sexteto eis que. Olho vivo! A locução tem uso restrito. Só tem vez quando dá ideia de surpresa ou imprevisto. Assim: Quando menos se esperava, eis que Paul McCartney voltou ao palco. Eis que surge finalmente um ator à altura do papel. Quando todos estavam distraídos, eis que pintou confusão.
Ops! Olho vivo! Não caia no modismo. Muitos usam o eis que na indicação de causa. Nada feito. Em vez da duplinha, use uma vez que ou porque: Carlos deve passar no vestibular uma vez que (não eis que) estuda muito. O candidato vai ser selecionado porqueeis que) sobressaiu no teste. O recurso foi rejeitado porqueeis que) não tem fundamento jurídico. O Fluminense será o campeão nacional porque (não eis que) está à frente do segundo colocado. (não (não
Pronome
O eis aceita a companhia dos pronomes pessoais átonos. Quando seguido do o ou a, ocorre fenômeno parecido com o dos verbos que terminam com a mesma letra. O s cai fora: Ei-lo à espera do carteiro. Ei-las na fila do gargarejo. Onde estão os primeiros colocados? Ei-los.
Ufa!
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