Recado “A literatura é o laboratório do possível.” Ricardo Piglia Escândalo na terra de Sua Majestade Ops! O tabloide News of de Wold frechou as portas depois de quase dois séculos de vida. A razão: estava envolvido em falcatruas impensáveis no Reino Unido. Entre elas, escutas telefônicas ilegais, pagamento de propinas, compra da consciência de chefões da Scotland Yard. O escândalo trouxe às páginas policiais Rebekah Brooks. A ex-todo-poderosa editora do jornal usa cabelão avermelhado, crespo e solto. Os ingleses não deixaram por menos. Recorreram à mitologia grega e apelidaram-na de Medusa. Que medão! Medusa era um monstro. Tinha duas irmãs. Também monstros. Eram as Górgonas. Elas tinham asas de ouro, mãos de bronze, presas de javali e a cabeça rodeada de cobras. Quem olhasse nos olhos delas virava pedra. Das três, só Medusa era mortal. Mas ninguém conseguia matá-la. Quem tentava se transformava em estátua. Perseu foi desafiado a vencer a criatura. Topou. Pra chegar lá, precisava de três objetos. Um deles: sandálias com asas para voar. Outro: um capacete que o tornasse invisível para escapar dos olhos assassinos. O último: um saco mágico para guardar a cabeça do monstro depois de cortada. Atena, a deusa da sabedoria, ajudou o herói. Pôs sobre a cabeça de Medusa um escudo que funcionou como espelho. Assim, Perseu não precisou olhar nos olhos da moça. Orientou-se pelo reflexo. Então, foi fácil. Pegou uma espada de aço e decapitou o monstro. Foi a glória. Perseu pôs a cabeça da Medusa no saco, bateu asas e voou. Os olhos mortais das duas irmãs procuravam-no. Mas não conseguiam enxergá-lo. Ele, de capacete, estava invisível. Com o tempo, Medusa virou substantivo comum. É mulher feia e má. Uma bruxa. Xô! Lá e cá Roldão Simas Filho tem muitas qualidades. Entre elas, a curiosidade. Um dos seus focos é a língua portuguesa. Tudo que se refere ao idioma de Camões lhe merece a atenção. Nas constantes viagens a Portugal, anotou as diferenças entre os falares da Europa e da América. Foram tantas que viraram livro: Dicionário lá&cá português-português. Eis um aperitivo: “Enquanto no Brasil adotamos termos estrangeiros até desnecessariamente, em Portugal há forte determinação em traduzi-los ou criar expressões vernáculas. Eis exemplos: sida (síndrome de imunodeficiência adquirida) aqui é aids e existe até o aidético; pronto a comer (fast food), pronto a vestir (pret à porter), mota d´água (jet ski), parque infantil (play ground), escanção (sommelier), toranja (grape fruit).” Para sexagenários A Avon lançou cremes para sexagenários. Anuncia que se trata da “mais avançada tecnologia no tratamento cosmético anti-idade”. Interessados no produto duvidaram. Não da mensagem, mas da grafia. Anti-idade se escreve assim mesmo? Sim. A reforma ortográfica criou uma regra que pode ser traduzida deste jeito: nos prefixos, os iguais se rejeitam; os diferentes se atraem. Trocando em miúdos: se duas letras iguais se encontram, uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Valha-nos, Deus. Hífen pra evitar o choque: super-regional, contra-ataque, semi-internato, micro-ondas. Se o encontro é de duas letras diferentes, oba! A atração é momentânea: supermercado, contramão, semiaberto, microssaia. O h Atenção, gente de Deus. A tal história da atração e rejeição não é absoluta. Acima dela está o h. Prefixo seguido da letrinha muda (que não fala, mas ajuda) pede hífen sim, senhor: anti-histórico, super-herói, mini-homem. Leitor pergunta Mal começou o controle das balas perdidas, vêm as explosões dos bueiros. Imagine a cena. A criatura caminha tranquilamente na calçada. De repente, não mais que de repente, voa pelos ares. Pode? No Rio pode. Bem-humorado, o carioca não deixa por menos. Decidiu aprender a conjugação do verbo explodir. Podemos dizer “eu explodo”? Bia Saraiva, Rio Explodir, Bia, sofre de incurável preguiça. Defectivo, só se conjuga nas formas em que o e ou o i seguem o d: explode, explodimos, explodem; explodi, explodiu, explodimos, explodiram; explodirei, explodirás; explodiria, explodisse. E por aí vai. Eu explodo? Nem pensar. Use outras formas. Recorrer ao auxiliar é uma delas (vou explodir, posso explodir). Outra, apelar para sinônimos. Que tal estourar? Olho vivo! O presente do subjuntivo, derivado da 1ª pessoa do presente do indicativo, também não existe. Nem em delírio diga “que eu exploda”. Por quê? Com a desobediência, você explode a língua.
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