Na língua existem criaturas errantes. São os pronomes átonos. Me, te, se, lhe, o, a adoram bater perna. Ora aparecem antes do verbo. Ora, depois. Há também os que se metem no meio. Mas, apesar da flexibilidade, muitos abusam. Cometem pecados.
O pronome se chama átono porque é fraco. Tão fraco que precisa de apoio. Onde se encostar? Em outra palavra. Por isso, na norma culta, é proibido iniciar a frase com pronome átono. O pecador deixa a vítima desamparada. Ela tomba. Na queda, atropela a reputação do ímpio.
2. Ignorar a abrangência de iniciar
Olho vivo! Iniciar a frase tem duas acepções. Uma é iniciar mesmo, ser a primeira palavra do período. Assim: Me dá um cigarro? Te telefono amanhã. Lhe deu a resposta ontem.
A outra usa máscaras. Deixa, como na acepção anterior, o pronome desprotegido. Mas não inicia a frase. Em geral vem depois de vírgula. Compare: Aqui se fala português. ( O aqui ampara o pronome.) Aqui, fala-se português. (Ops! A vírgula impede o apoio.)
Nem sempre a vírgula expulsa o pequenino para depois do verbo. Há casos em que ela separa termos intercalados. O apoio se distancia, mas permanece. Preste atenção na malandragem: Brasília se localiza no Planalto Central. Brasília, a capital do Brasil, se localiza no Planalto Central. (Mesmo de longe, Brasília ampara o pronome.)
3. Desrespeitar a atração
Há palavras que funcionam como ímãs. Puxam o pronome para junto de si. Lembra-se delas? Eis algumas: a gangue do qu (que, quem, quando, quanto, qual), a turma negativa (não, nunca, jamais, ninguém, nada), as senhoras conjunções subordinativas (como, porque, embora, se, conquanto): Quero que se retirem logo. Não me disse nada. Se me convidarem, irei.
4. Bobear com o futuro
Sabia? A terminação do futuro tem alergia ao pronome. Ambos, futuro do presente (irei) e futuro do pretérito (iria) ficam cheinhos de brotoejas diante do átono. A saída? Há duas.
Uma: levar o pronome para antes do verbo. No caso, o pequenino tem de ter amparo: Maria me telefonará amanhã. Se pudesse, Temer, o presidente do Brasil, se manteria no Planalto.
A outra: ficar no meio do caminho. Sem amparo e impedido de se colocar na rabeira do verbo, fica no meio do caminho. Como? Posiciona-se entre o infinitivo e a terminação do verbo. Veja: Telefonar-lhe-ei amanhã. Falar-se-iam mais tarde.
5. Esquecer a maquiagem
Ops! Olho nos pronomes o e a. Antecedidos de r, s, z, viram lo, la: Vou pôr o livro na estante. (Vou pô-lo na estante.) Ajudamos os amigos. (Ajudamo-los.) Fez a filha feliz. (Fê-la feliz.)
Mais: com som nasal (m ou til), a dupla se disfarça de no, na: Põe o prato sobre a mesa. (Põe-no sobre a mesa.) Quiseram a filha formada. (Quiseram-na formada.)
6. Superdica
Os gramáticos concordam que a colocação dos pronomes no Brasil tomou os próprios rumos. Reduz-se a duas normas. Uma: não inicie frase com o pronome átono. A outra: ponha o pronome sempre na frente: Dize-me com quem andas que te direi quem és. Ele se tinha retirado antes da sobremesa. Lia o chantageou? Não, deu-lhe conselhos. Para se retirar, pediu licença.
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