Os sete pecados dos cruzamentos

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  Eram nove conhecidos. Mas os antigos preferiram o número cabalístico. Os sete mares — o Adriático, o Arábico, o Cáspio, o Mediterrâneo, o Negro, o Vermelho e o Golfo Pérsico — inundaram a literatura medieval. Há quem diga que a expressão nasceu nas páginas das Mil e uma noites. O marinheiro Simbad, um dos personagens das aventuras contadas por Sherazade, precisava levar mercadorias a portos distantes. Para chegar lá, navegava por sete mares. Com o tempo, as duas palavras ampliaram o significado. “Navegar por sete mares” é viajar muito, sonhar muito, entregar-se a aventuras nunca dantes sonhadas.
  A língua convive com façanhas semelhantes. Trata-se dos cruzamentos. Sem entender o quê ou o porquê, criaturas atrevidas embarcam em delírios linguísticos. Misturam alhos com bugalhos. Tomam pedaço de uma estrutura e o juntam a pedaço de outra. É como cruzar elefante com gato. O resultado? Valha-nos, Deus! É a receita do cruz-credo. Quer ver? Eis os sete pecados da combinação heterodoxa.

Já x mais
  Nas indicações temporais, existem dois bicudos. Um deles: já. O outro: mais. Como diz o outro, eles não se beijam. Onde couber um, o outro não terá vez. Assim: Quando os bombeiros chegaram, as vítimas já não respiravam. Já não há lei que iniba a invasão dos morros. Quando entregou o projeto, não se preocupou mais.
Olho vivo: Quando os bombeiros chegaram, as vítimas já não respiravam mais? Já não há mais lei que iniba as invasões? Quando entregou o projeto, já não se preocupou mais? Xôôôôôôôôôôô! É cruzamento.

À medida que x na medida em que
  Parecido não é igual. Mas confunde. Um dos nós que enroscam os miolos são as locuções à medida que e na medida em que. Trio e quarteto têm significados próprios. Com personalidade forte, detestam trapalhadas:
  À medida que = à proporção que: À medida que exercito a leitura, leio melhor. À medida que conhecia o amigo, encantava-se com as qualidades que demonstrava. Aumentava as risadas à medida que ouvia as loucuras do viajante.
  Na medida em que = porque, tendo em vista: A tragédia das chuvas se repete na medida em que não se tomam medidas corretivas e preventivas. A mortalidade infantil cai no Brasil na medida em que se deu mais atenção ao pré-natal.
  Cuidado: na medida que? À medida em que? Ops! É cruzamento. Xô!

  De … a
  Na língua há casaizinhos. Eles têm uma marca. São pra lá de leais. A estrutura dos dois pares é a mesma. É o caso de de … a. De é preposição pura. A vai atrás. Com a duplinha, por isso, a crase não tem vez: Trabalho de segunda a sexta. Estudo de domingo a domingo. Viajamos de segunda a quinta.

Das … às
  Eis outro casalzinho. Das se forma da preposição de + o artigo a. Às, fiel parceiro, também exibe preposição (a) + artigo. Daí a crase: Corro da Rua da Praia à Rua dos Andradas. Estudo das 8h às 18h. Meu expediente: de segunda a sexta das 14h às 20h.
  De…à? Das…as? Nem pensar. É cruzamento.

  Ainda x mais
  A língua abriga mais bicudos do que imagina nossa vão filosofia. Além do já x mais, temos o ainda x mais. Um dispensa o outro: O programa ainda vai levar cinco meses. O programa vai levar mais cinco meses.
  Ops! O programa ainda vai levar mais cinco meses? Nem a pedido de Deus. O cruzamento leva o autor a arder nas chamas do inferno. Eternamente.

Ainda x continua
  Viu? O ainda indica continuidade. O continua também. Misturar os dois dá briga. Fique com um deles: Apesar do despreparo físico, Ronaldo continua ídolo dos brasileiros.
  Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Ronaldo ainda continua ídolo dos brasileiros? Virgem Maria, protegei-nos. Livrai-nos da ira divina.

A partir x começar
  Atenção, marinheiros de poucas viagens. A partir significa a começar. Usar os dois dá confusão. Sem preguiça, escolha um ou outro: A partir de domingo, o metrô terá novo horário. O novo horário do metrô começa domingo.
  A partir de domingo o metrô começa a circular em novo horário? Que desperdício! Deus castiga. 

Dad Squarisi

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Dad Squarisi

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