Hermes vivia no Olimpo. Um dia, viu a mulher mais linda que havia pisado a morada dos deuses. Era Afrodite. Ele olhou pra ela. Ela olhou pra ele. Não deu outra. Apaixonaram-se. Casaram-se e tiveram um filho. Que nome lhe dar? Sugestão daqui, pesquisa dali, gostaram da mania brasileira. Chamaram-no Hermafrodito. Um pedacinho vem de Hermes. O outro, de Afrodite. O garotão era belo como a mãe, mais conhecida por Vênus. (Ela mesma, a deusa do amor.) Ninguém resistia aos encantos do gatão. A ninfa Salmaris caiu de amores por ele. A paixão era tal que comoveu os deuses. Dona de mil truques, a mocinha conseguiu que eles fundissem os dois num só corpo. Daí nasceu a palavra andrógino. A androginia tem tudo a ver com a reforma ortográfica. Antes das mudanças que entraram em vigor em 1º de janeiro de 2009, certos prefixos tinham preferências meio indefinidas. Ora exigiam hífen. Ora dispensavam-no. Vale o exemplo do co-. Ele pedia o tracinho quando o segundo elemento tinha vida autônoma na língua. Era o caso de co-autor, co-herdeiro, co-réu. Mas sobravam exceções e faltavam certezas. Coirmão, comistura, coobrigação e tantas e tantas outras grafavam-se coladinhas. Os maltratados fregueses da língua portuguesa arregalavam os olhos, abraçavam a cabeça e arrancavam os cabelos. Depois faziam o que tinham de fazer — consultar o dicionário. Ninguém pense que o co estava feliz com a indefinição. Ao tomar conhecimento das articulações em torno do acordo ortográfico, ele se inspirou em Salmaris. Pediu aos acadêmicos que o livrassem do hífen para sempre. Em troca, respeitaria a pronúncia dos vocábulos que a ele se unissem. Por isso, quando seguido de r ou s, dobra as duas consoantes. Viva! Adeus, dúvidas. Agora é tudo junto: coautor, coerdeiro, corréu, correpresentante, comorador, coinquilino, correpresentante, coprodução, cossecante. Etc. Etc. Etc.
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