Al Martin Pronomes pessoais com função reflexiva não são exclusividade da língua portuguesa. O mesmo acontece com gente: falta de educação e lacunas de informação não se confinam a grotões tupiniquins — atingem às vezes altas esferas e abalam a imagem de figurões. Foi o que aconteceu estes últimos dias. Pasmos, assistimos a um bate-boca entre a Fifa e o governo brasileiro. Um arranca-rabo de cortiço não teria sido mais constrangedor. Aborrecido ao constatar que as obras da Copa-14 não seguiam o cronograma combinado, o secretário-geral da Fifa fez um pronunciamento grosseiro. Disse textualmente: “Il faut donner un coup de collier, se mettre un coup de pied aux fesses et organiser cette Coupe du monde”. Que foi mal-educado, isso foi. Contudo, embora tenha usado linguagem caseira, rasteira e vulgar, a frase não pode ser considerada propriamente ofensiva. Simplesmente não fica bem na boca de quem ocupa cargo tão importante. (Em nossas plagas já ouvimos coisas piores saindo da boca de ocupantes de altas esferas, mas essa já é uma outra história…) O secretário-geral falou como quem ralhasse com um filho adolescente que estivesse se atrasando nos estudos. Usou linguagem coloquial, difícil de traduzir. Disse algo parecido com “o Brasil tem de se tocar”, “se sacudir”, “acordar”, “se mancar”. De personalidade tão importante, não se espera um palavreado desse jaez. Mas tampouco é o caso de lançar-lhe uma fatwa sobre a cabeça. Tivesse o senhor Valcke omitido o se reflexivo, a coisa seria bem mais séria. De fato, donner un coup de pied aux fesses de alguém quer dizer literalmente dar um pé no traseiro, para usar a palavra mais amena. Já a presença do pronome muda tudo. O agente da ação passa a ser, ao mesmo tempo, seu objeto. É a maneira francesa de mandar alguém apressar-se. Usa-se em família ou com pessoas com quem se tem grande intimidade. Outras línguas romances escolheram uma construção reflexiva para a mesma finalidade. O francês diz: se mettre un coup de pied aux fesses. O espanhol vai pela mesma picada: Date prisa (dá-te pressa)! O italiano não fica atrás: Sbrigati (apressa-te)! Tenho lido profundas análises sociopsicológicas sobre esse infeliz incidente. Há até articulistas que se valem do velho e gasto complexo de inferioridade ao atribuir ao secretário da Fifa relentos neocolonialistas. Baboseira. Trata-se apenas de um homem mal-educado, desprovido de tato. Não é o primeiro nem será o último, infelizmente. Quanto ao titular de nosso Ministério dos Esportes, o problema é outro. Faltou a ele — e a seus assessores, naturalmente — a necessária curiosidade para inteirar-se da frase original. De qualquer maneira, temo que de pouco lhes adiantaria o acesso à fala tal qual foi pronunciada: o conhecimento apurado das principais línguas do mundo não parece ser tema de importância capital aos olhos do Planalto. O que se viu nada mais é que uma desavença entre pessoas pouco capacitadas para exercer a função que lhes foi atribuída. Um diz o que lhe vem à telha, como se estivesse num boteco. O outro, incapaz de entender e de julgar por si mesmo, é refém de uma tradução capenga na qual deposita inteira confiança. Não deu outra: foi um desastre. A honra do país foi salva pelo pequenino pronome reflexivo. A pizza já está assando e logo será posta à mesa. Melhor assim. Ou não?
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