O legado árabe

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Dad Squarisi // dadsquarisi.df@dabr.com.br

O árabe é milagre de Alá. Entre todas as línguas da Terra, Deus o escolheu para ditar Sua mensagem a Maomé. Foi em 610. Nasceu aí o Islã. Não se sabe ao certo quem falava aquela língua. A península Arábica era habitada por tribos semitas que usavam dialetos semitas. O documento mais antigo em árabe data do século 4, mas a língua só se consolidou com o Islã. Quem quer conhecer o recado divino deve debruçar-se sobre o idioma eleito. Assim, o Islã está irremediavelmente associado ao árabe. O povo da Península Arábica não podia expandir a fé sem o árabe, que assumiu caráter sagrado. Com essa bagagem — o árabe e o Corão —, unificou a península e partiu em direção ao Ocidente. De cultura, tinha poesia, mas não se tem notícia dele como cientista.

Os islâmicos se foram enriquecendo ao longo da expansão do que viria a ser o mundo árabe. Antes de chegar à Península Ibérica em 711, o Islã dominava a Jordânia, a Palestina, a Síria, o império persa, o Egito, ilhas do mar Egeu (Chipre e Rodes) e o Magreb (norte da África) até o Marrocos. (A façanha toda foi lograda em 89 anos.) Eles interpretaram os ensinamentos dos conquistados à luz do Islã. E, quando chegaram à Península Ibérica afundada na Idade Média, levavam uma civilização florescente – rica em ciência, filosofia, matemática, astronomia, arquitetura, música.

A bagagem deles pesava. Nela estavam contidas cinco civilizações. A mais antiga é a assíria, que se desenvolveu na planície onde hoje é o Iraque. O mundo nasceu lá. O paraíso terrestre ficava entre o Tigre e o Eufrates. Ali, os filhos de Noé ergueram a Torre de Babel. Os sumérios criaram a escrita cuneiforme – a mais antiga forma gravada para representar os sons da língua. Inventaram os veículos sobre rodas. Dividiram o ângulo em 360 graus, o ano em 12 meses, o dia em 24 horas e 6 minutos, o minuto em 60 segundos.

Depois, veio a babilônica. Foi lá entre os anos 3000 e 600 a.C. Ela legou uma senhora herança. Um dos bens foi Hamurábi, o primeiro legislador que a história conheceu. Ele, 1.800 anos antes de Cristo, deu impulso à organização judicial e ao trabalho legislativo. A lei de talião – a tal que diz olho por olho, dente por dente – é uma de suas regras.

Outro espólio que chegou na bagagem do invasor foi o fenício, de 5 mil anos. Pelas montanhas do atual Líbano, andou Noé, o da arca. Ali está Biblos, a cidade continuamente habitada mais antiga do mundo. Vivia naquela faixa de terra um povo pra lá de curioso. Olhava pra longe. Queria saber o que havia além do horizonte. Para chegar lá, inventou a navegação. E descobriu o mundo. Séculos antes de Cristo, contornou a África, atingiu a América por mar e a Índia por terra. Criou o alfabeto fonético. Com ele, construiu uma ponte entre o Oriente e o Ocidente.

Mais ao sul, estavam os egípcios. Eles legaram as pirâmides, os templos, as estátuas colossais, as pinturas, os murais, as múmias. E as ciências ocultas. Na mesma época, os judeus ofereceram ao mundo seu gênio religioso. Pregaram a unidade de Deus e a primazia do espírito quando os ídolos ainda ocupavam os altares de todos os templos. A quinta civilização que desembarcou em portos espanhóis é a persa. Lá também o povo cultivou a arte de bem viver.

Ao legado milenar de civilização e cultura, os árabes acrescentaram a própria contribuição. Foi o mais decisivo aporte à ciência na história da humanidade. Eles aperfeiçoaram a álgebra, empregaram a trigonometria, introduziram os algarismos que se tornaram universalmente conhecidos como arábicos, escreveram a primeira enciclopédia geográfico-histórica (912-57). Também conceberam a terra como uma esfera. E defenderam a tese de que certas moléstias são transmitidas por contágio. Protetores das letras e artes, iniciaram intensa atividade tradutória: do árabe para o latim, do árabe para o grego.

Esse patrimônio cultural — transmitido ao Ocidente via Espanha — impulsionou o renascimento das letras e das ciências na Europa. Por volta do ano 1000, Córdoba era a capital cultural do mundo. Dali o legado dos séculos passou para a Europa. Por isso Libri escreveu: “Apaguem os árabes da história, e o renascimento das letras na Europa teria sido retardado por dois séculos”.

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