Al Martin é exigente. Além da notícia, ele faz questão de texto correto. Por isso lê jornais e sites com lupa. Outro dia, ao navegar na internet, levou um baita susto. Eis o comentário: “Sabemos que o antigo e charmoso cujo já faleceu, faz tempo, de morte bem morrida. Eu pensava, no entanto, que os jornalistas mantivessem, no fundo da cachola, a noção de genitivo embutida no velho pronome relativo.
Com certa decepção, constato e reconstato que o cujo morreu mesmo e, mais grave ainda, não foi substituído. Veja esta frase que li neste sábado na edição on-line do Estado de São Paulo: `Há um reconhecimento de que um calote americano seria um problema difícil de antever o impacto sobre o resto do mundo´.
A ausência do cujo tira o nexo da frase. Seria tão mais elegante escrever `Há o reconhecimento de que um calote americano seria problema cujo impacto sobre o resto do mundo é difícil de antever´. “ O xis da questão
Você sabe usar o pronome cujo? A maioria dos brasileiros não sabe. Por isso foge do coitado como o diabo da cruz. O dissílabo é pronome relativo. Pertence à família de que, o qual, onde. É o membro chique do clã. Requintado, impõe três regras para ser empregado. São exigências simples. Para atendê-las, basta manter as antenas ligadas e a preguiça adormecida em berço esplêndido.
Primeira exigência
Tenha cuidado com a separação das sílabas: o danadinho morre de vergonha de ficar com um pedaço lá e outro cá. O motivo é justo. A primeira sílaba, no fim da linha, vira palavrão (cu-jo). Feito o estrago, o constrangido só encontra uma saída. Consola-se com federal (fede-ral). Os dois se abraçam e choram, choram, choram.
Segunda exigência
Deixe o artigo pra lá: cujo tem aversão a o, a, os e as. Nunca escreva: cujo o, cuja a, cujos os, cujos as. Nunca mesmo. O casamento pega mal como bater em mulher, cuspir no chão ou palitar os dentes em público. Veja o exemplo:
O político, cujo o discurso foi recebido com vaias, lamentou o episódio.
Xô, artigo!
O político, cujo discurso foi recebido com vaias, lamentou o episódio.
Terceira exigência
Dê atenção à posse: o cujo, como todo pronome relativo, tem uma função — junta duas frases. No caso, uma delas tem de indicar posse. O dissílabo evita a repetição de palavras e deixa o enunciado chique como pérola negra. Compare:
Dilma recebeu críticas no exterior. O discurso de Dilma (=dela) foi aplaudido em Brasília.
Feio, não? Dilma em dose dupla ninguém merece. A repetição do nome torna a frase monótona. O jeito? Recorrer ao relativo. Para dar ideia de posse, o glorioso cujo pede passagem:
Dilma, cujo discurso foi aplaudido em Brasília, recebeu críticas no exterior.
Outro exemplo:
O PT está com a faca e o queijo na mão. O candidato do PT (=dele) ganhou a presidência da empresa.
O PT, cujo candidato ganhou a presidência da enpresa, está com a faca e o queijo na mão.
Tropeços
O brasileiro morre de medo do cujo. Mas, orgulhoso, esconde a verdade. Alega que a esnobação se deve à feiura do pobrezinho. Mentira tem perna curta. Volta e meia, aparecem mostrengos como o apontado por Al Martin:
A mulher que o filho morreu vai deixar a cidade.
Paulo Coelho, que os livros fazem sucesso em Europa, França e Bahia, é imortal da Academia Brasileira de Letras.
Desafio
Vamos corrigir as duas frases capengas? Pra chegar lá, lembre-se do cujo:
1…………………………………………………………………………………. 2………………………………………………………………………………….
Acertou? Confira: A mulher cujo filho morreu vai deixar a cidade. Paulo Coelho, cujos livros fazem sucesso em Europa, França e Bahia, é imortal da Academia Brasileira de Letras.
Moral da história
Uma frase elegante, capaz de veicular com clareza e simplicidade a mensagem, é conquista pessoal — exercício diário de desapego, humildade e vontade de melhorar.
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