Não ao nãoVocê gosta de ouvir um não? Ninguém gosta. Nem os bebês. Dizem que a criança que escuta muitos nãos na vida grava a negação na mente. Aí, Deus a acuda. Candidata-se ao título de adulto infeliz — para alegria dos psicólogos, claro.
Eduardo Santos fugiu da sina. Negro e pobre, ouviu montões de nãos ao longo de 25 anos. Queria estudar judô. Cadê dinheiro? Foi à luta. Conquistou lugar no tatame. Mas teve de suar o quimono pra avançar. Sem grana pra pagar a faixa preta, ficou 10 anos na marrom. Chegar a Pequim foi outra batalha. Passou por quatro seletivas regionais. Ganhou a vaga. Ufa! A medalha olímpica ficou pra daqui a quatro anos.
Falantes também podem dizer não ao não. Basta recorrer à linguagem positiva. Regra de ouro: dizer o que é, não o que não é. Não chegar na hora é chegar atrasado. Não ser necessário é ser dispensável. Não ir à aula é falta à aula. Viu? Dizer o que não é soa pouco objetivo, impreciso, hesitante. Dá a impressão de que se está fugindo do compromisso de afirmar.
Como escapar do mal-amado? Reescreva a frase mantendo o recado: Os parlamentares não acreditam (duvidam) que Daniel Dantas tenha dito a verdade. O presidente diz que não fará (nega) alterações no Bolsa-Família. Os políticos não sabem (ignoram) que fazem parte do Estado. Não se lembrou (esqueceu-se) do recado. O laboratório não pode (só pode) fabricar os novos remédios se não (se) pagar royalties. Não é possível (é impossível) reparar os erros futuros. A lei não altera (mantém) a situação dos devedores.
Que tal? Dá trabalho chegar à forma positiva? Às vezes dá. Mas vale a pena. Caçar o advérbio que fecha portas conquista leitores e ouvintes. Eles, alérgicos às três letrinhas, fazem tudo pra ignorá-las. Muitas vezes, passam batido por elas. Aí, valha-nos, Deus! O recado é entendido pelo avesso. Confirma-se, então, a brincadeira de Mário Quintana: “A gente escreve uma coisa, o leitor entende outra, e a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita”.
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