Mocinhos bandidos

Compartilhe


DAD SQUARISI // dad.squarisi@correioweb.com.br

De um lado, a polícia. Homens fardados atiram a torto e a direito. De outro, a população. Adultos e crianças servem de alvo para os tiros vindos sabe-deus-de-onde. É a velha guerra urbana que se amplia no Rio. Antes, a truculência policial se restringia aos morros. Ali matava por atacado. As vítimas eram “bandidos” cuja morte representava um “marginal a menos”.

A classificação não discriminava pessoas. Abrangia o morador da favela, ainda que tivesse menos de 5, 10 ou 12 anos. Aos poucos, a ação dos “mocinhos” desceu pra planície. Chegou a Ipanema, Tijuca e Leblon. Os cadáveres, até então de pele negra e cara pobre, ganharam excelência. Louros de olhos azuis e roupa de grife entraram na estatística da carnificina.

Em suma: a polícia não mudou. Os agentes da segurança pública continuam a dividir os cariocas em dois grupos — nós e os outros. Os outros — a população — é que mudaram. Cresceram em número e diversificaram a classe social. Mas, para os donos da farda, do revólver e da sirene, mantêm o estigma. São o inimigo. E, como inimigo, precisam ser eliminados.

As ações bárbaras se enquadram na síndrome da violência. Síndrome, diz o dicionário, é conjunto de sintomas ligados a determinada doença. A violência indiscriminada é enfermidade social que se manifesta por certos indícios. O mais importante: negar individualidade ao inimigo. Não lhe dar um rosto. Não vê-lo como gente de carne e osso que tem nome, pai, mãe, irmãos, filhos, amigos.

Daí o choque provocado pelo sorriso estampado na foto de Daniel Duque. O pacato rapazinho de 18 anos foi baleado por um PM ao sair de boate onde comemorava o aniversário de amigo com amigos. O choro da mãe desesperada doeu como soco no estômago. A mesma sensação provocou o desabafo impotente do pai de João Roberto — garoto de três anos metralhado quando voltava pra casa com a mãe o irmão.

As vítimas com rosto, nome e endereço escancaram a dimensão da tragédia — ninguém está livre da sanha assassina. Os números falam alto. A polícia do Rio mata mais que os criminosos de São Paulo. Em 2007, de cada 100 mil habitantes, a farda ceifou a vida de 14. Na capital paulista, a taxa geral de homicídios foi de 12,1 por 100 mil, com participação fardada de 1,8 por igual contingente. Precisa de mais?

(artigo publicado na pág. 26 do Correio Brziliense)

Dad Squarisi

Publicado por
Dad Squarisi

Posts recentes

  • Dicas de português

Dicas de português: Páscoa, coelhinhos e chocolate

A língua é pra lá de sociável. Conversa sem se cansar. E, no vai e…

2 anos atrás
  • Dicas de português

Os desafios da concordância com porcentagem

Porcentagem joga no time dos partitivos como grupo, parte, a maior parte. Aí, a concordância…

2 anos atrás
  • Dicas de português

Você sabe a origem do nome do mês de março?

O nome do mês tem origem pra lá de especial. O pai dele é nada…

2 anos atrás
  • Dicas de português

O terremoto na Turquia e a língua portuguesa

Terremoto tem duas partes. Uma: terra. A outra: moto. As quatro letras querem dizer movimento.…

2 anos atrás
  • Dicas de português

Anglicismos chamam a atenção na língua portuguesa

As línguas adoram bater papo. Umas influenciam as outras. A questão ficou tão banalizada que…

2 anos atrás
  • Dicas de português

A simplicidade na escrita dos nomes de tribos indígenas

Nome de tribos indígenas não tem pedigree. Escreve-se com inicial minúscula (os tupis, os guaranis,…

2 anos atrás