Metamorfose às avessas

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Conhece aquela dos macacos? Um, numa ilha distante, lá no Pacífico, inventou uma moda. Começou a descascar a banana antes de comê-la. Nenhum símio havia tido esse luxo antes. Outro, noutra ilha, aqui no Atlântico, teve a mesma idéia. Sentou-se no galho da árvore onde morava, estendeu o braço, colheu a banana. Olhou-a. E, sem mais nem menos, tirou-lhe a casca.

A moda pegou. Outros macacos, em outras partes, passaram a fazer o mesmo. Quase ao mesmo tempo. Sem nunca terem falado um com o outro. Sem nunca terem lido um livro de boas maneiras.

No português, algo semelhante está ocorrendo. Como num passe de mágica, a conjunção enquanto ganhou novo emprego. Indesejado emprego. Ela reclama, briga, esperneia. Inutilmente.

Outro dia, Fernando Henrique soltou esta:  “E saúdo nessa mobilização mais um passo do nosso avanço, enquanto sociedade, na direção de formas mais civilizadas e solidárias de convivência”.

Romário, pernas pro alto, cervejinha gelada, disse: “Estou bem enquanto pai e enquanto marido”. Deputado, em entrevista à CBN, não ficou atrás: “Eu, enquanto parlamentar, defendo a lei seca”.


O papel



A conjunção enquanto liga orações: verbo com verbo. Indica que duas ações se passam ao mesmo tempo: Enquanto eu falo, você escuta. Você trabalhava enquanto ele ouvia música.

Mal-empregada, a conjunçãozinha vira usurpadora. Ocupa olugar do como ou das locuções na condição de, na qualidade de. Sem querer, claro. E sem ganhar nada com isso.

FHC não magoaria o enquanto se tivesse dito “… mais um passo do nosso avanço, como sociedade, na direção de formas mais civilizadas de convivência. Romário estaria melhor “na condição de pai e de marido”. O deputado poderia ter escolhido dizer “como parlamentar” ou “na condição de parlamentar”.

Cuidado. As orações ligadas pelo enquanto têm que ter o mesmo tempo. Lé com lé, cré com cré. Cada sapato no seu pé:

Presente com presente: Enquanto eu dito, você escreve.

Passado com passado: Paulo cozinhava enquanto Maria preparava a mesa.


Ao menor descuido, você pode misturar, por exemplo, o pretérito perfeito com o imperfeito. Assim: Enquanto o desemprego crescia, a renda despencou. Mal. Muito mal. Enquanto o desemprego crescia, a renda despencava. Enquanto o desemprego cresceu, a renda despencou.

É isso. Não acenda uma vela para Deus e outra para o diabo. Pega mal. Xô!

Dad Squarisi

Publicado por
Dad Squarisi

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