ARNALDO NISKIER Membro da Academia Brasileira de Letras, presidente do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) e licenciado em pedagogia
Estamos vivendo uma falsa guerra de notícias sobre o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.Mais, até, em Portugal do que propriamente no Brasil. Diversos escritores do outro lado do Atlântico criticam ferozmente a existência da proposta de unificação ortográfica, alguns utilizando virulência desrespeitosa em relação a nós.
Um deles, Graça Moura, em artigo no Diário de Notícias de 16 janeiro, entre outras bobagens, afirma que “o Acordo não serve para nada, a não ser para aumentar a confusão e lesar ainda mais a língua portuguesa”. Não é exatamente o que pensam os filólogos brasileiros, empenhados nesse trabalho estratégico, realizado com todo o cuidado para não ferir suscetibilidades, nem mesmo a vaidade de certos ditos especialistas.
No total das palavras em uso na língua portuguesa, menos de 3% foram afetadas pela simplificação proposta pelo Acordo Ortográfico. Um número na verdade insignificante, se considerarmos a globalidade do mundo lusófono. Escrevendo de uma só forma, mas pronunciando cada um a seu modo, poderemos manter a organicidade do nosso rico idioma, hoje submetido a convulsões.
A história do marechal Charles De Gaulle tornou-se clássica. Num dado momento, lançou a dúvida: “O Brasil é um país sério?” Muitos de nós ficamos chocados. Isso feriu o orgulho nacional. Agora, a frase voltou à tona a propósito da decisão do governo de adiar para 2016 a entrada em vigor do decreto assinado em agosto de 2008 pelo presidente Lula, a propósito do Acordo Ortográfico de Unificação da Língua Portuguesa. Mais três anos, para nada.
Houve adesão quase unânime do lado brasileiro. Os nossos irmãos portugueses e algumas nações luso-africanas, como Angola e Moçambique, por interesses variados, resistiram à adoção, que tem por finalidade essencial a simplificação da escrita do nosso idioma. Nada mais do que isso. E com um claro objetivo estratégico: postular assim a oficialização do português como língua de trabalho da ONU, o que eleva o nosso status internacional.
Também aqui há os recalcitrantes, que só agora se manifestam. Silenciaram em 1990, quando o acordo foi assinado, e em 2008, quando se estabeleceu o prazo fatal para a unificação pretendida. Somos obrigados a ler até alguns absurdos, como o comentário de que isso se fez de forma burocrática, sem audiências públicas, ou por “reformadores de plantão”. Aqui uma clara agressão à memória de um dos grandes brasileiros que se debruçaram sobre o assunto, como é o caso do acadêmico Antonio Houaiss. Antes de ser cassado por motivos políticos, ele dedicou parte ponderável da vida, como filólogo consagrado, à discussão interna e externa desse problema. Só colheu aplausos.
O Brasil aderiu com entusiasmo ao acordo. Livros, jornais e revistas passaram a ser escritos com as novas normas. Centenas de concursos públicos, como é o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) — 4 milhões de jovens —, foram realizados com essa marca, aparentemente irreversível. São quase 200 milhões de brasileiros que hoje escrevem de forma simplificada.Mudar esse quadro não foi desrespeitoso?
Numa prova eloquente da sua modernidade, o nosso país aceitou as recomendações da Academia Brasileira de Letras (ABL), no que tange às suas 200 mil escolas. Mesmo as do interior, como se atesta na Olimpíada de Língua Portuguesa, deixaram para trás os tempos de voo e enjoo com acento circunflexo. De mais a mais, o que muitos desconhecem, há um decreto presidencial em pleno vigor, datado de 1972, que dá à ABL as prerrogativas de ser a última palavra em matéria de grafia. Os mal-informados ou mesmo os ignorantes desconhecem isso e aí só nos resta lamentar o retrocesso.
(artigo publicado no Correio Braziliense)
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