José Sarney lançou a moda. “Brasileiras e brasileiros”, saudava ele. Homens e mulheres acharam a novidade simpática. O SBT aproveitou a onda. Pôs no ar a novela com o mesmo bordão.
A partir daí, distinguir o gênero deixou de ser gesto de simpatia. Virou obrigação. “Meus amigos e minhas amigas”, diz Fernando Henrique. “Senhores deputados e senhoras deputadas”, cumprimenta Aécio Neves. “Caros senadores e caras senadoras”, brada o orador da tribuna.
De obrigação, passou a obsessão. Hoje, não faltam situações como estas: “Convidamos os presentes e as presentes a se levantarem”. “Os estudantes e as estudantes devem usar uniforme.” “Os debatedores e as debatedoras chegarão ao meio-dia.”
Nos convites, todo o cuidado é pouco. A consagrada fórmula “senhor e senhora Paulo Silva” provoca o furor delas. Melhor optar por “senhor Paulo Silva e senhora Maria Silva”.
Reações ao exagero não faltam. Millôr Fernandes dirige-se às “pessoas e pessôos”. Veríssimo fala em “povo e pova”. O leitor Álvaro Lima teme que cheguemos ao absurdo de distinguir “humanidade e mulheridade” e “seres humano e mulherano”.
É ele quem pergunta:
— O uso dos dois gêneros não é um complicador? Está certo que a língua é viva. Mas isso cheira a Odorico Paraguaçu.
Feminismo
Tudo começou com o movimento feminista. Nos anos sessenta, as mulheres foram à luta. Queriam os mesmos direitos dos homens. Abusaram dos trajes masculinos. Desfilaram barrigas grávidas. Queimaram sutiãs em praça pública. E chegaram lá. Conquistaram a universidade e o mercado de trabalho. Sentaram-se no Parlamento. Vestiram togas. Engrossaram as fileiras das Forças Armadas.
Quero mais
Insatisfeitas, partiram pra outra. O novo alvo foi a língua. “O português é machista”, decretaram elas. Ao englobar os gêneros, a palavra fica no masculino plural. “Meus filhos” inclui os filhos e as filhas. “Os devedores” abarca as devedoras e os devedores. “Os senadores” põe senadores e senadoras no mesmo saco.
Tempos modernos
A luta pelo gênero se impôs. Hoje, distinguir o masculino e o feminino não é questão de correção gramatical. “Brasileiros” refere-se a homens e mulheres nascidos nesta alegre Pindorama. Gramaticalmente recebe nota 10. Mas escorrega politicamente. A razão é simples. Esconde a mulher. Deixa-a sem espaço.
No discurso, a modernidade recomenda usar o masculino e o feminino. Dando visibilidade a ele e a ela, marca-se, na fala, a igualdade dos dois gêneros. No fundo, é questão de poder. Quem pode aparece.
Problema seu
E daí? Você decide. Se quiser entrar na guerra contra elas, esqueça o politicamente correto. Mas prepare-se. Voltar às boas leva tempo. Valem as palavras de Bertold Brechet: “A paz não é sõ melhor que a guerra. É muito mais trabalhosa”.
Nada mais que a verdade
A língua é machista? Nada mais injusto. A coitada nem marca o masculino. O o não caracteriza o sexo forte. É a vogal temática da palavra. Opõe-se ao a. O a, sim, denuncia o feminino. O mesmo ocorre com professor, mestre & Cia. Eles pertencem ao gênero masculino porque se opõem às formas professora e mestra.
A diferença
A oposição masculino x feminino faz a diferença. É o caso de menino, menina; vendedor, vendedora; presidente, presidenta. Sem oposição, convoca-se o artigo. O pequenino definirá o gênero da palavra: o estudante, a estudante; o comerciante, a comerciante; o assaltante, a assaltante.
Empate
Quando o artigo é o mesmo, só há uma saída. Recorrer ao contexto. Valem os exemplos de criança, vítima e cônjuge. Como saber se se referem a mulher ou homem? Só analisando a frase em que aparecem:
* Maria tem três anos. Aproveitando o descuido da babá, correu pra rua. O motorista do caminhão não viu a criança. Atropelou-a.
* Os bombeiros contaram quinze vítimas: seis mulheres e nove homens.
Moral da história
Machista? Nem pensar. A língua não está nem aí pro masculino. Só marca o feminino. Ceguinha, a mulher ignora o privilégio. Azar dela!
A língua é pra lá de sociável. Conversa sem se cansar. E, no vai e…
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