O agente 007 tem licença para matar. O artista tem licença para voar. Em outras palavras: pra chegar às alturas, ele pode tudo. O escritor cria palavras, pisa a gramática, dá novos sentidos a velhos vocábulos. É a licença poética.
A carta branca se explica. Machados, Clarices e Bandeiras são tão grandes que não cabem em camisas de força. O que existe não basta. Eles precisam de mais, muito mais. Como lhes satisfazer a necessidade? Só dando asas à imaginação, dando passagem à invenção.
Quando a grande dama do teatro foi pro outro mundo em 1969, Drummond traduziu a perda com esta frase: “Cacilda Becker morreram”. O poeta tropeçou na concordância? Nem pensar. Com o sujeito singular e o verbo no plural, ele traduziu o enorme prejuízo. O Brasil não perdeu uma atriz. Perdeu muitas.
Nem todos são Drummond. Para chegar lá, o mineiro de Itabira subiu todos os degraus da língua. No topo, podia escolher. Mário de Andrade explica: “É quase lapalissada afirmar que só tem direito de errar quem conhece o certo. Só então o erro deixa de o ser para se tornar um ir além das convenções”.
Alguns não entenderam o significado de lapalissada. Sem se dar ao trabalho de consultar o dicionário, desconhecem que a palavra quer dizer obviedade, o que está na cara. É o caso de estudantes. “Se Drummond pode, eu também posso”, dizem autossuficientes. Não podem. Pelo menos, por enquanto. Talvez um dia cheguem lá.
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