Título da coluna Entrelinhas: “Deixem os homens trabalhar”. Leitores duvidaram dos próprios olhos. “Homens” não é sujeito de trabalhar? O verbo deve concordar com ele. É elementar: se o sujeito está no plural, o verbo não tem saída. Deve acompanhá-lo.
Mas estava ali, no singular. Estampado com todas as letras (ou falta de letras). Os leitores estavam diante de uma das maiores complicações da língua portuguesa: o emprego do infinitivo flexionado. O português é uma língua única. Tem dois infinitivos: o impessoal e o pessoal. O impessoal é o nome do verbo (cantar, vender, partir, pôr). Não tem sujeito e, por isso, não se flexiona.
Com o pessoal, a história é outra. Ele tem sujeito. E não foge à regra: concorda com ele (para eu viajar, tu viajares, ele viajar, nós viajarmos, vós viajardes, eles viajarem). Mas há exceções.
A regra
Rigorosamente, só é obrigatória a flexão quando o infinitivo tem sujeito próprio, diferente do da oração principal: Esta é a última chance de Ronaldo Gaúcho e Ronaldo Fenômeno devolverem a alegria à torcida. (O sujeito da 1ª oração é esta; da 2ª, Ronaldo Gaúcho e Ronaldo Fenômeno.)
Saí mais cedo para irmos ao circo. Se o infinitivo não estivesse flexionado (saí mais cedo para ir ao circo), a frase estaria correta, mas trairia a verdade. Quem vai ao circo não sou eu, mas nós.
Saímos mais cedo para ir ao teatro. Certo? Quem saiu mais cedo? Nós. Quem vai ao teatro? Nós (quando o sujeito da segunda oração não está expresso, significa que é o mesmo da primeira).
Dica: Se o sujeito da oração principal e o da subordinada forem os mesmos, não precisa flexionar o infinitivo: Saímos (nós) mais cedo para ir (nós) ao circo.
E se flexionar? Está errado? Não. Você reforçará o sujeito: Saímos mais cedo para irmos ao teatro.
Mais iguais
Voltemos à vaca fria: “Deixem os homens trabalhar”. O sujeito da 1ª oração é vocês (oculto); o da 2ª, homens. A regra manda flexionar o infinitivo quando ele tiver sujeito diferente do da oração principal. O autor errou?
Não. Por quê?
Nem todos são iguais perante as regras. Alguns são mais iguais. No infinitivo, os mais iguais são os verbos mandar, fazer, deixar, ver e ouvir. Com eles, a flexão é facultativa.
Assim, você pode dizer: Vi os dois sair (ou saírem) da sala. Ouvi os cães latir (ou latirem). Deixai vir (ou virem) a mim as criancinhas. Fiz os alunos estudar (ou estudarem) mais. Governo manda os funcionários devolver (ou devolverem) o dinheiro.
Percebeu? É o caso da coluna. O título estaria certo tanto com verbo no singular quanto no plural. O Alon preferiu o singular. Questão de gosto.
Limite
Cuidado. A exceção tem limite apertado. Se o sujeito for um pronome átono, acabou a farra do infinitivo. Ele só pode ficar no singular: Vi-os deixar a sala mais cedo. Ouvi–as chegar. Deixei–os sair. Pressão sindical fê-los recuar. Governo manda-os devolver dinheiro.
Ufa!
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