Todas as línguas têm suas maldições. A do inglês é a pronúncia. A do francês, os acentos. Do alemão, as palavras coladas. Do russo, o alfabeto cirílico. Do chinês, os milhares de ideogramas. Do português, o hífen. Dizem que, consultado, nem Deus sabe dizer se um prefixo ou radical pedem o tracinho. A reforma ortográfica jogou lenha na fogueira. Com texto pouco claro, deu margem a chutes e delírios. Em um dos artigos, diz que o tracinho deixa de existir quando se perdeu a noção da composição. Citou um exemplo – paraquedas. Ora, a regra é subjetiva. Quem perdeu a noção? Eu? Você? A vovó? Sabe-se lá. Dois radicais mereceram a atenção especial dos aventureiros linguísticos. Um: para, que aparece em para-raios. Antes da reforma, a dissílaba aparecia com acento. Agora mandou o grampo plantar batata no asfalto. Outro: porta, que figura em porta-malas. Não faltou quem escrevesse portarretrato. Em nota, a Academia Brasileira de Letras jogou água na fervura. Avisou que, onde cabem interpretações subjetivas, só vale o exemplificado. No caso do para-, só paraquedas figura no exemplo. Conclusão: as demais duplinhas escrevem-se como dantes no quartel de Abrantes. É o caso de para-choque, para-lama, para-vento, para-raios. O mesmo vale para porta. O vocabulário ortográfico da língua portuguesa mantém o tracinho nos compostos que ostentavam o tracinho: porta-retrato, porta-malas, porta-bandeira, porta-luvas, porta-trecos, porta-moedas, porta-documentos. Dica: ao lidar com os hifens, seja esperto. Antes de tudo, deixe o complexo pra lá. Depois, aprenda a se virar. Como? Duvide. Duvide sempre. Busque socorro. O dicionário ajuda. E como!
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