José Augusto Carvalho O jornal A GAZETA, de Vitória, no dia 24-08-10, na p. 16, ostenta, numa reportagem sobre provas de um concurso público, a fotografia de um grupo de mulheres segurando um cartaz que dizia: “Mulheres X TAF PM/ES 2010 – Contra discriminação de gênero”. Descobri que TAF significa “Teste de aptidão física”, mas demorei a perceber que não se tratava de um protesto feminino contra a discriminação de gêneros textuais, ou literários ou gramaticais. Cheguei a pensar que se tratava de meninas intelectuais que se revoltavam contra a separação entre o lírico e o dramático, numa tentativa de inovar a teoria literária. Só depois de ter lido metade da reportagem é que me dei conta de que as moças da fotografia estavam confundindo gênero com sexo, numa subserviência cultural ao inglês, que diz “gender” significando tanto gênero quanto sexo, segundo o Webster’s Dicionário Inglês-Português, de Antônio Houaiss (s.v.), editado pela Record. Os bons dicionários de língua (Houaiss, Aurélio, Aulete, por exemplo) não registram gênero como sinônimo de sexo. Os dicionários de sinônimos, como o de Francisco Fernandes, registram gênero como sinônimo possível de: casta, espécie, raça, família, ordem, classe, variedade; qualidade, sorte, espécie; modo, maneira, jeito. Nunca como sinônimo de sexo. Não se trata de gramatiquice, mas de clareza e precisão de linguagem. Gênero é distinção gramatical; sexo é distinção semântica. Um nome do gênero masculino pode designar alguém do sexo feminino, como, por exemplo, mulherão (que, aliás, embora masculino, designa mulher extremamente feminina). Há nomes (“sobrecomuns”) do gênero masculino que designam pessoas tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino (como, por exemplo, o cônjuge, o apóstolo, o algoz). Também há nomes (“sobrecomuns”) do gênero feminino que designam pessoas tanto do sexo masculino quanto do sexo feminino (como, por exemplo, a vítima, a testemunha, a pessoa). Há nomes de seres que têm um gênero único (“epicenos”): Cobra e águia, por exemplo, são sempre do gênero feminino; jacaré e besouro são sempre do gênero masculino. Independentemente de sexo. Se quisermos designar o sexo desses animais, usamos a expressão “fêmea” ou “macho”, mas o nome continuará com um gênero único: a cobra macho, a águia macho, o jacaré fêmea, o besouro fêmea. O gênero existe mesmo quando não há motivação sexual, como o gênero das coisas (mesa, casa, algodão, álcool…). Será que é tão difícil assim utilizar adequadamente as palavras “gênero” e “sexo” sem confundi-las? Outro erro evitável encontrei numa manchete de jornal: “Frei completa 50 anos de sacerdócio”. A palavra “frei” é forma apocopada de “freire”. Apócope é o nome que se dá à supressão de sons no final de um vocábulo, como “são” (santo), “grã/grão” (grande), “mui” (muito), “recém” (recente), etc. Muitos nomes que sofreram apócope só se usam diante de outros nomes, nunca isoladamente. Assim, dizemos que “São Pedro é um grande santo” e não que “São Pedro é um grande são”. Dizemos grão-duque, grãfino, Grã-Bretanha. Mas não podemos dizer que “O Brasil é grã”. O feminino de “freire” é “freira”. Como “freire” não se usa mais em sua articulação integral, “freira” passou a ser o feminino vicário (substituto) de “frade”. E “frade” passou a ser usado em lugar de “freire”. A forma “frei” só se usa antes de nome, nunca isoladamente. Dizemos que “Frei Pedro Palácios foi um bom frade” e não “um bom frei”. O jornal errou na sua manchete. É pena… A imprensa, sobretudo a imprensa escrita, deveria zelar pela boa norma e pela precisão da linguagem…
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