Enem, de novo

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“Enterraram caveira de burro aí” é a forma bem-humorada usada em situação em que ocorrem sucessivos erros. Corrige-se um aqui, aparece outro ali. Consertado, surgem novos buracos que, tapados, originam outros, outros e outros. O dito vale para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Desde a criação, em 1998, o teste exibe histórico de falhas que denunciam amadorismo inaceitável em processo que envolve quase 6,5 milhões de estudantes.

Os ataques à credibilidade se sucedem com inaceitável frequência. Vão do vazamento de questões, passam por erros nos cadernos de provas, furto de cópias na gráfica e problemas no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e chegam a descaso na correção. Examinadores deram nota máxima a redações que apresentavam falhas ortográficas primárias e avaliaram com grau superior textos que enxertaram temas alheios ao assunto desenvolvido. É o caso de introduzir o hino do Palmeiras ou a receita de miojo no desenvolvimento de raciocínio que nada tinha a ver com tais assuntos.

Além de escandalizar pais, professores e especialistas, o fato motivou piadas em mesas de bar e frequentou programas de humor de norte a sul do país. Faz parte da cultura do brasileiro rir para não chorar. De erro em erro, de improviso em improviso, uma certeza sobressai. Falta seriedade na condução do exame que veio ao encontro de velha expectativa de pais, educadores e estudantes — encontrar alternativa para o ultrapassado e injusto vestibular.

Previsto inicialmente para avaliar os concluintes do ensino médio, o Enem ganhou novo formato um ano depois de criado. Em 2009, passou a ser a principal forma de acesso ao ensino superior no país. Além de abrir as portas das instituições públicas — que oferecem cursos de excelência nas diferentes áreas do saber — passou a ser o instrumento de seleção do ProUni, que dá acesso a bolsas integrais e parciais em instituições privadas Brasil afora.

Em entrevista na quarta-feira, o titular da pasta, Aloizio Mercadante, anunciou medidas que tapam o mais recente buraco do Enem — a inserção de textos alheios ao assunto e a desconsideração de falhas ortográficas como “enchergar” e “trousse”. O remédio: mais rigor. Quem fugir ao tema terá a prova anulada. Quem tropeçar em letras e acentos perderá pontos. Nada mais acaciano.

Vale a pergunta: por que só agora — depois de mais um passo rumo à desmoralização do teste —, o Ministério da Educação descobre que precisa avaliar com seriedade o desempenho dos estudantes? Processo seletivo premia o mérito. Em bom português: escolhe o melhor. Chegar ao excelente pressupõe, necessariamente, correção atenta, exigente e precisa. Improvisação e amadorismo não têm vez em tal universo. O Enem, convém lembrar, é importante demais para ser objeto de remendos.

(Editorial do Correio Braziliense de hoje)

Dad Squarisi

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