Geny Lima lê o jornal com lupa. Mantém os dois olhos bem abertos. Com um, toma conhecimento da notícia. Com o outro, examina a língua usada no texto. Domingo não foi diferente. Informativo na mão, sentou-se e começou a viagem pelo mundo da política, da economia, dos esportes, das artes. Ops! De repente, não mais que de repente, este trecho ganhou destaque: “A psicóloga Maria Lúcia Canalli está no meio de um curso que a permitirá clinicar também como psicanalista”.
O pronome oblíquo (a permitirá) lhe pôs a pulga atrás da orelha. Ela comenta: “Tenho notado que os redatores vêm utilizando o átono o no lugar do lhe. Será descuido? Morte inglória do objeto indireto? Modernidade inconsequente? Ou falta de conhecimento do português? Questão de regência
Regência, Geny, é um dos assuntos mais espinhosos da língua. Por essa razão existem dicionários específicos que jogam luz na escuridão. Dizem se o verbo é intransitivo ou transitivo. Mais: de acordo com o significado, informam que preposição tem a vez. Vale o exemplo de escrever. A regência varia em cada frase. Veja:
Verissimo escreve. (Sem complemento, o verbo é intransitivo.) Verissimo escreve as crônicas políticas. (Ele escreve alguma coisa — as crônicas políticas. Verbo transitivo direto — TD.) Verissimo escreve para os leitores antenados. (Ele escreve para alguém. A preposição diz que o verbo é transitivo indireto — I[TI.) Verissimo escreve as crônicas para o público. (Ele escreve alguma coisa para alguém. O verbo é transitivo direto e indireto — TDI.) O substituto
A regência tem relação estreita com os pronomes lhe, o (a). O lhe substitui o objeto indireto. O o (a), o direto:
Verissimo escreve as crônicas políticas. Verissimo as escreve. Verissimo escreve para os leitores antenados. Verissimo lhes escreve. Ofereci o livro (OD) ao visitante (OI). Ofereci-o (OD) ao visitante. Ofereci-lhe (OI) o livro.
Vaca fria
Voltemos à frase que maltratou os olhos da Geny. Em questão, o verbo permitir:
A psicóloga Maria Lúcia Canalli está no meio de um curso que a permitirá clinicar também como psicanalista.
A gente permite alguma coisa a alguém. No caso, o curso permitirá alguma coisa (clinicar como psicanalista) a alguém (à psicóloga Maria Lúcia Canalli). Vem, lhe: A psicóloga Maria Lúcia Canalli está no meio de um curso que lhe permitirá clinicar também como psicanalista.
Mais exemplos? Ei-los:
O curso permitirá mais ganhos ao trabalhador. O curso lhe permitirá mais ganhos. O professor permitiu a saída ao estudante. O professor lhe permitiu a saída. A lei permite consultas aos interessados. A lei lhes permite consultas.
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