Dois Brasis ao vivo e em cores

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DAD SQUARISI /// dad.squarisi@@correioweb.com.br

O drama de Santo André mostrou dois Brasis ao vivo e em cores. Jovens pobres viviam a vida pobre em ambiente pobre. O seqüestro, amplamente explorado pela tevê, os tornou personagens nacionais. Depois de 110 horas de exposição e negociações infrutíferas, a polícia invadiu o apartamento. Eloá morreu, Nayara saiu ferida, Lindemberg foi pra prisão. Os pais da jovem doaram os órgãos que devolveram a vida ou a esperança a cinco pessoas. Coração, pulmões, pâncreas, fígado, rins e córneas foram plenamente aproveitados.

Chamam a atenção no episódio dois procedimentos. De um lado, o da polícia. Soldados invadiram a casa às cegas. Sem conhecer o terreno em que pisavam, ignoravam a barricada que o seqüestrador havia preparado para dificultar a abertura da porta. Desconheciam a localização dos móveis, a posição das moças e o local onde Lindemberg poderia estar. Em suma: entraram numa guerra sem dominar a arena onde ocorreria a batalha. Deu no que deu.

Especialistas dizem que a tragédia poderia ter sido evitada sem necessidade de muita sofisticação. A tecnologia oferece condições de evitar erros tão primários. Microcâmera — disponível até na Feira dos Importados — seria capaz de fornecer informações seguras sobre o cenário. Bastava pô-la na fechadura da porta para obter espionagem discreta, silenciosa e segura. Era só aproveitar um momento de descuido para acabar a farra. No improviso e na intuição, a sorte não teve vez. O verbo perder entrou em cartaz. Perdeu-se tempo. Perdeu-se oportunidade. Perdeu-se vida.

No lado oposto ao do atraso e despreparo, está a ação da equipe de transplante. Detentor de tecnologia de ponta, o Brasil é dos mais respeitados países na área. Mas peca pela desorganização do processo. Hospitais não notificam a existência de potenciais doadores. Ou, quando o fazem, a infra-estrutura precária leva ao desperdício — perda ou subutilização de órgãos. Não é outra a razão por que quase 70 mil pessoas aguardam na fila da salvação.

O caso Eloá provou ser possível exibir a ilha de excelência. O sistema de transplantes agiu com eficácia. Com morte cerebral diagnosticada, era preciso manter o coração da adolescente batendo até os pais autorizarem a doação. Equipes de captação agiram rápida e eficazmente. Na outra ponta, os receptores estavam prontos, à espera dos órgãos. Resultado: 100% de sucesso.


(artigo publicado em Opinião do Correio Braziliense)

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