O blogue deu a palavra aos leitores. Alguns apresentaram dúvidas. Outros fizeram comentários. Um deles criticou o verso “detalhes tão pequenos de nós dois”, do rei Roberto Carlos. “Detalhes são sempre pequenos. Não me venham com a tal licença poética”, escreveu o professor Toledo. Ops! Choveram protestos. Os inconformados exigiram manifestação a respeito. Eles mandam. Vamos lá?
Licença poética
O agente 007 tem licença para matar. O artista tem licença para voar. Em bom português: pra chegar às alturas, poetas e romancistas podem tudo. Eles criam palavras, pisam a gramática, dão novos sentidos a velhos vocábulos. É a licença poética.
A carta branca se explica. Machados, Clarices e Bandeiras são tão grandes que não cabem em camisas de força. O que existe não basta. Eles precisam de mais, muito mais. Como satisfazer a necessidade? Só dando asas à imaginação, dando passagem à invenção.
Quando a grande dama do teatro foi pro outro mundo em 1969, Drummond traduziu a perda com esta frase: “Cacilda Becker morreram”. O poeta tropeçou na concordância? Nem pensar. Com o sujeito singular e o verbo no plural, ele traduziu o enorme prejuízo. O Brasil não perdeu uma atriz. Perdeu muitas.
Olho vivo
Nem todos são Drummond. Para chegar lá, o mineiro de Itabira subiu todos os degraus da língua. No topo, podia escolher. Mário de Andrade explica: “É quase lapalissada afirmar que só tem direito de errar quem conhece o certo. Só então o erro deixa de o ser para se tornar um ir além das convenções”.
Vício
Pleonasmo é palavra sofisticada. Nasceu grega. Fez as malas e avançou fronteiras. Desembarcou na língua de Camões. Lá e cá o significado se mantém. É superabundância: repete-se uma ideia com palavras diferentes. Subir pra cima, descer pra baixo, entrar pra dentro e sair pra fora são os exemplos mais repetidos. Há mais, muitos mais. O professor Toledo apresentou um fresquinho. Trata-se de “espernear com as pernas”. Ora, assim como só se pode subir pra cima, descer pra baixo, entrar pra dentro e sair pra fora, só se pode espernear com as pernas.
Convenhamos. As redundâncias frouxas, que não trazem nenhum reforço à expressão, são vícios. Eles ganham nomes pra lá de chiques. Além de pleonasmo, tautologia, parissologia, batologia. Comer com a boca? Ora, basta comer. Ver com os olhos? Claro que sim. Enfrentar de frente? Só pode. E assim vai. Xô, excessos!
Tolerância
Há pleonasmos aceitos. Ao repetir a ideia expressa, acrescenta um especificador pra lá de bem-vindo. Às vezes, o algo mais dá graça e força à expressão. É o caso do verso “detalhes tão pequenos de nós dois”. É o caso também de “ele sabe pescar peixe, mas não sabe pescar homens”. Ou de “ver com os olhos não é o mesmo que ver com os dedos”. Sejam bem-vindos!
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