Desmoralização
A irreverência nacional tem uma marca. Desmoraliza. Dizem que o comunismo não fincou raízes aqui com medo de jogar lama na reputação. Afinal, Deus virou brasileiro. Ensinou-nos a jogar no bicho, beber caipirinha e dar um jeitinho. Foi o que aconteceu com a colocação de pronomes.
A regra veio de Portugal. Tem tudo a ver com a pronúncia lusitana. Não com a nossa. Na terra de Cabral, os pronomes átonos são átonos. Aqui, são tônicos. Os portugueses dizem m’. Nós, me. É difícil iniciar uma frase com m’. Mas com me é fácil, fácil. “Dá-me um cigarro”, pede o filão português. “Me dá um cigarro”, pede o brasileiro da gema.
Quase tudo
No Brasil, vale tudo? Na língua falada, vale. Na escrita, há um limite. Duas regras exigem respeito. Uma: não iniciar frase com pronome átono. Não escreva “Se saiu bem nas provas. Fique com “Saiu-se bem nas provas”.
A outra: ficar de olho na atração. Atraem o pronome:
1. a gangue do qu (que, quem, qual, porque, quando, quanto): Quem se queixa da imprensa? Há muitos países que se opõem à liberação das drogas. Vou votar neste candidato porque me inspira mais confiança.
2. os pronomes e advérbios negativos (não, ninguém, nunca): Ninguém o procurou ontem. Não me ouviu sair. Nunca se pronunciou a respeito.
3. as conjunções subordinativas (se, que, como): Não sei como Dilma se pronunciou na ONU. Se me convidarem, aceito o desafio.
Gilete
O substantivo atrai obrigatoriamente o pronome? Não. O danadinho joga na equipe dos giletes. Corta dos dois lados. Com ele, ora ocorre o pronome vem antes do verbo. Ora, depois. Fica a gosto do freguês. Vale a forma que soar melhor.
Veja: O caminhão se atolou. O caminhão atolou-se. Na ONU, Dilma se pronunciou a favor dos pobres. Na ONU, Dilma pronunciou-se a favor dos pobres. O Brasil se prepara para as eleições de outubro. O Brasil prepara-se para as eleições de outubro. Os alunos se retiraram cedo. Os alunos retiraram-se cedo.
Invejoso
O advérbio viu a desenvoltura do substantivo. Invejoso, resolveu imitá-lo. Com aqui, ali, talvez, lá, agora, depois, ontem, hoje, amanhã, o atonozinho pode escolher o lugar. Se quiser ficar antes do verbo, é bem-vindo. Se preferir acomodar-se depois, também.
Eis exemplos: Aqui se fala português. Aqui fala-se português. Agora se sente melhor. Agora sente-se melhor. Amanhã lhe telefono. Amanhã telefono-lhe. Depois me dirigi a ele. Depois dirigi-me a ele.
Limite
O vaivém do invejoso tem limite. Se houver pausa depois do advérbio, cessa tudo que a musa antiga canta. O pronome, com o rabinho entre as pernas, é obrigado a ficar depois do verbo: Aqui, fala-se português. Agora, sente-se melhor. Amanhã, telefono-lhe. Depois, dirigi-me a ele.
Moral da história
Em eleição, nada se perde. Tudo se aproveita. A aula do prefeito demagogo serviu para pôr substantivos e advérbios nos trilhos. Valeu.
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