Conceição Freitas
Meu amigo Carlos Tavares estava à morte, mas continuava tão Carlos Tavares quando nos tempos de vida plena. A enfermeira entrava no quarto do hospital com os instrumentos para injeção: “Seu Carlos, me dê seu bracinho…Pode ficar tranquilo que não vai doer nadinha”. O irado Tavares retrucava, sem dó nem piedade: “Não me trate como idiota.” Estava vivo como nunca.
Uma amiga me conta que, quando vai à pedicure de um salão do circuito chique, e a moça pede: “Estique o seu pezinho”, ela responde, com a voz calma que lhe é habitual: “Desde os 12 anos calço 40. Estou longe de ter um pezinho”.
Outra amiga estava ensaiando o casamento do filho, com o cerimonial, quando teve de reagir à moça que a convocava: “Mãezinha, venha cá. Mãezinha, o seu lugar será aqui. Mãezinha…”. A mãe de um marmanjo de 32 anos não viu nenhuma graça em ser tratada com tatibitates. “Meu nome é Sônia, Sô-ni-a”, retrucou, para espanto da interlocutora que deve ter considerado a cliente uma mal-educada. A propósito de educação, o “mãezinha” é usado à exaustão pelas professoras e afins nas escolas particulares, nas clínicas pediátricas e, já se tem notícia, até nas clínicas veterinárias!
O uso do diminutivo na prestação de serviço se alastrou tanto quanto o execrável gerundismo, onda que parece ter se aquietado nos últimos tempos. Quanto mais chique o lugar, maior o uso do diminutivo. A gente rica precisa ser bajulada, gosta de ser bajulada e nada mais eficaz do que ser tratada como um bebê de maternal.
Também está se alastrando irritantemente pela cidade o tratamento afetivo entre desconhecidos. Conta-se que num dos restaurantes do circuito da alta gastronomia, os garçons chamam os clientes de “meu amor”(Meu amor?!).
“Querida”, “meu bem” têm sido recursos muito utilizados, nos estabelecimentos comerciais da cidade, para tentar estabelecer uma falsa intimidade com o cliente. Até o “amada”, característico de Belém do Pará, chegou a Brasília. O muito afetivo paraense usa com muita naturalidade o “adorada” e o “mana”, claro.
Daqui a uns dias vão nos chamar de “minha rainha” ou “meu rei”, à moda baiana. Muito mais simpático, aos meus ouvidos pelo menos, é o modo como as vendedoras de roupas da Feira do Guará tratam as freguesas. “Meninas, vamos olhar calça, bermudinha, cós alto, cós médio, cós baixo”, elas anunciam para mim e minha mãe, de 81 anos, e para qualquer possível cliente. “Meninas” é termo consagrado na Feira do Guará, não sei se em outras.
Sorte das vendedoras e dos garçons é que o Carlos Tavares não está mais por aqui. Ele já teria lançado uma campanha furiosa contra os diminutivos e a falsa intimidade no circuito comercial: “Me respeite!”, ele exigiria, para começar os trabalhos.
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