SEVERINO FRANCISCO
Furo: no momento em que ONGs politicamente corretas pressionam o Conselho Federal de Educação para censurar os livros Caçadas de Pedrinho e Negrinha, de Monteiro Lobato, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com Dona Benta Encerrabodaes de Oliveira e o pessoal do Sítio do Picapau Amarelo. O tema da conversa são as acusações de que Lobato usaria expressões supostamente racistas.
Como a senhora vê as acusações de ONGs de que Lobato era racista?
Dona Benta: Meu filho, Lobato era a favor do progresso em tudo, ele tinha um sentimento politicamente e humanamente correto. Mas nasceu em 1882, e nós fomos o último país do mundo a abolir a escravidão, em 1888. Exigir que ele escrevesse em uma linguagem politicamente correta me parece um despautério. Por exemplo, no livro Caçadas de Pedrinho, Lobato usa os termos “aleijado” e “velhas”, quando acredito que o pessoal politicamente correto gostaria que ele utilizasse “deficientes físicos”, “cadeirantes” ou “mulheres da melhor idade”.
Mas, Dona Benta, o pessoal politicamente correto critica um trecho em que Lobato compara Tia Nastácia a uma macaca de carvão subindo no mastro de São Pedro para escapar das onças.
No entanto, a comparação com a macaca é pela agilidade com que ela subiu no mastro, nada tem de racista.
Lobato não poderia ter representado Tia Nastácia como uma afrodescendente rica e de sucesso para compor uma imagem mais politicamente correta?
Meu filho, a estupidez humana não tem limites. Só enriquece, quem adquire conhecimentos. A verdadeira riqueza não está no acúmulo de moedas; está no aperfeiçoamento do espírito e da alma.
Mas, Dona Benta, existem cartas de Lobato simpáticas à ideologia do eugenismo, da raça pura…
Mesquinharia, não era só Lobato. Naquele tempo, a ciência e a maioria dos intelectuais brasileiros era eugenista. Mas, no Sítio do Picapau Amarelo, Lobato condena veementemente a escravidão como um atraso social.
O que provoca estas recriminações a Lobato é a ignorância ou a burrice?
Emília: Calma lá, seu repórter cara de coruja seca. Não suporto essa mania de insultar um ente tão sensato e precioso como é o burro. Quando um homem quer xingar outro, diz: “Burro! Você é um burro!”. Quando um homem quer xingar outro, o que deve dizer é uma coisa só: “Você é um homem, sabe? Um grandessíssimo homem! Mas chamar de burro é para mim o maior dos elogios. É o mesmo que dizer: “Você é um Sócrates, você é um grandessíssimo Sócrates…”
Dona Benta: Emília, respeite os mais velhos!
Emília: A senhora me perdoe, mas, cá para mim, isso de respeito nada tem a ver com a idade. Eu respeito uma abelha de um mês de idade que me diga coisinhas sensatas, mas se Matusalém vier para cima de mim com bobagens, pensa que não boto fogo na barba dele? Ora, se boto.
Narizinho: Vovó, eu gostaria de sugerir que se colocasse uma tarja preta na representação tentando censurar o Lobato nas escolas com os dizeres: “Esta resolução contém obscurantismo”. O que a senhora acha?
Dona Benta: Eu acho, minha filha, que o segredo é um só: liberdade. Aqui no sítio não há coleiras. A grande desgraça do mundo é a coleira. E como há coleiras espalhadas pelo mundo!
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