Cantar de galo Márcio Cotrim
É ser valente na hora errada. Ameaça mas, se levar um sopapo, sai de fininho. Festeja cedo demais, antes de a vitória estar garantida. Expressão metafórica para a imagem desse animal que, supostamente, comandaria galinhas e pintos, fêmeas e filhos machos de virilidade ainda não amadurecida.
O galo é conhecido como símbolo de vigilância, coragem e orgulho — o que justificaria sua pomposa maneira de caminhar. Tanto a França quanto Portugal têm o galo no emblema nacional. No caso da França, os romanos, durante a conquista do território gaulês, criaram um jogo linguístico com a palavra gallus, que possui o duplo sentido de galo e da etnia gaulesa. No caso de Portugal, o emblema tem explicação mítica, associada à lenda do galo de Barcelos.
De fato, ir a Portugal e não comprar aquele galinho colorido de cerâmica é como ir à Disney e não ver o Mickey. O galinho é um dos símbolos lusitanos, como a fitinha do Bonfim é na Bahia. Mas que galinho é esse? Já lhe digo. Consta que, pelo século 16, um crime causou rebuliço na cidadezinha portuguesa de Barcelos. As autoridades, não conseguindo encontrar o culpado, pegaram como bode expiatório um sujeito que estava de passagem por ali.
Não adiantou espernear. O moço acabou condenado à forca. Antes da execução, pediu que o levassem ao juiz que o condenara. Foi então conduzido à residência do magistrado que, nesse momento, se banqueteava com amigos. Reafirmando inocência, apontou para um galo assado sobre a mesa e exclamou:
— É tão certo eu estar inocente como esse galo cantar quando me enforcarem.
Todos caíram na gargalhada. Mas, pelo sim, pelo não, ninguém tocou no galo. Aí, o impossível aconteceu: no momento em que já estava com a corda no pescoço, o tal galo ergueu-se da mesa e cantou. Assombrado, o juiz ainda teve tempo de suspender a execução. Vendo-se livre, o pobre coitado tripudiou: “Eu não disse, senhor juiz?”
As vitrines portuguesas oferecem todo tipo de galo de Barcelos aos turistas. O ícone é sucesso permanente. Essa lenda deve ser mesmo pura lenda. Afinal, nunca se soube que algum galináceo ressuscitasse. Mas, já dizia a sábia mineirice: quando a lenda é melhor que a realidade, publique-se a lenda.
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