Beirute é no Rio

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  DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@dabr.com.br
  A tragédia do Rio de hoje se parece com a de Beirute de ontem. O governo não manda. O território é loteado entre facções. Na capital libanesa, religiões faziam a festa. Na capital fluminense, narcotráfico e paramilitares digladiam-se para ocupar o espaço que o Estado não teve competência de ocupar.
  O Líbano abriga 18 religiões. São 18 nações. Cada uma com leis próprias. Na década de 70, os grupos religiosos tinham milícias armadas que se encarregavam da segurança dos fiéis. Mais: davam assistência social aos necessitados, financiavam escolas e hospitais. Quem não professava alguma fé ficava sem segurança, sem saúde e sem educação. O quadro explica a guerra civil que arrasou a capital. O governo, impotente, não pôde controlar as insurreições internas. Deu no que deu.
  O ponto comum com o Rio não são as religiões. Mas a divisão do território entre particulares. O Estado perdeu o controle de vasta região. De um lado, para os traficantes. De outro, para as guerrilhas. De omissão em omissão, o governo abandonou os cidadãos. Escolas, hospitais, segurança, limpeza pública se tornaram favor dos donos do pedaço. O maior empregador é o tráfico. Quem ousa denunciar paga alto. O preço: a casa, o emprego, a vida dos filhos.
  A montanha de dinheiro movimentada pelos barões do pó corrompe mandachuvas do Executivo, do Legislativo, do Judiciário, da polícia, do povo. Até Deus. No Líbano, 15 anos de guerra civil depois, veio o cessar-fogo. Garantiu-o a presença de 40 mil soldados sírios. O país administra frágil reconciliação nacional. Conseguiu, depois de esforços hercúleos, dar ao libanês carteira de identidade sem discriminar a religião. Viva!
  Exército, Marinha, Aeronáutica, polícias civil, militar e federal ocuparam o Complexo do Alemão. Capturaram as sardinhas do tráfico. Apreenderam toneladas de drogas. Sobretudo reconquistaram (por ora) o território. E agora? A força vai chegar ao asfalto? Ali estão as duas pontas da tragédia — o consumidor e os Escobares da coca. Mais: vai incluir o morro nas políticas públicas? Escolas, hospitais, polícia, saneamento, empregos, lazer fincarão raízes nas abandonadas ladeiras? Sem isso, os brasileiros terão visto cenas de Tropa de elite. Duas horas depois, acendem-se as luzes. Nada muda. Ou mudam os donos. Saem os traficantes. Entram as milícias.

Dad Squarisi

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