“Deus sofre de incurável falta de criatividade. Seus personagens têm sempre o mesmo fim. Morrem.”
Dias Gomes
Não só de bola vive o Mundial do Catar. Gente, cores, festa, risos, lágrimas compõem o cenário. Palavras também. Ao lado da redonda, a língua é grande vedete. Olhos e ouvidos mantêm-se atentos a grafias e pronúncias. Há carinhos e pancadas. As carícias ganharam de goleada. Mas faltas doeram como os chutes portugueses.
O dizer
Há pronúncias freguesas do tronco. Uma delas: o ditongo ei. Narradores e comentaristas teimam em esnobar o izinho. Pauleira, goleiro, forasteiro, festeiro, etc. e tal soam paulera, golero, forastero, festero. Xô!
Jogadores contribuem para engrossar a lista dos maus-tratos ao português nosso de todos os dias. “Ruim”, dizem quando o lance falha. Põem o acento no u. Bobeiam. Ru-im se pronuncia como Joaquim e Aladim. A sílaba tônica é a última — como se tivesse acento no i (ru-ím).
Gênero 1
Ops! O time está com a moral baixa”, concluiu o repórter. Tropeçou na emoção e no gênero da palavra. A dissílaba pertence a duas equipes. Pode ser masculina ou feminina. O moral quer dizer disposição, ânimo. A moral é conjunto de preceitos de conduta (moral duvidosa, moral da fábula). O time, depois de goleada, fica com o moral baixo, não?
Gênero 2
Estádios cheios não deixam por menos. Levam narradores a dizer “as milhares de pessoas” a torto e a direito. Bobeira. Milhar joga no time de milhão — o dos machos sim, senhores. São masculinos e não abrem: um milhar de pessoas, dois milhares de pessoas, os milhares de pessoas, um milhão de pessoas, dois milhões de pessoas, os milhões de pessoas.
Regência
“As pressões aumentam para que o país chegue na final”, repetem comentaristas de norte a sul, de leste a oeste de Europa, França e Bahia. Na ânsia de levantar o ânimo dos torcedores, os bem-intencionados espancaram a regência. Chega-se a algum lugar: Chega-se a São Paulo. Chega-se a Brasília. Chega-se ao clube. Chega-se a Doha.. E, claro, chega-se à final.
Faltar
O verbo faltar é figurinha carimbada. Trata-se de verbo regular. Mas costuma apanhar mais que time que perde de goleada. É um tal de “falta 10 minutos”, “falta cinco dias”, “falta dois gols”. A colocação do sujeito depois do verbo se encarrega de promover o tropeço. Se mudamos a ordem, a concordância fica simples como andar pra frente (10 minutos faltam, cinco dias faltam, dois gols faltam). A inversão não muda a regra. O verbo, como manda o bom português, concorda com o sujeito: faltam 10 minutos, faltam cinco dias, faltam dois gols.
Manter
“Se o técnico manter a equipe, o resultado será previsível.” Ops! Se manter? Nãoooooooooo! O futuro do subjuntivo sofre. E não é de hoje. A razão do martírio se chama semelhança. Em muitos verbos, o futuro tem a cara do infinitivo (se eu cantar, se eu vender, se eu partir). Mas, em alguns casos, a história muda de enredo. É bom, por isso, saber a formação de tempo tão sofisticado. Ele nasce do pretérito perfeito do indicativo. Mais precisamente: da 3ª pessoa do plural menos o -am final. Assim:
Pretérito perfeito: eu mantive, ele manteve, nós mantivemos, eles mantiver(am)
Futuro do subjuntivo: se eu mantiver, ele mantiver, nós mantivermos, eles mantiverem. Logo: Se o técnico mantiver a equipe, o resultado será previsível.
É correto usar “mais pequeno” e “mais grande”?
Regina Souza, Brasília
Sim. Quando se comparam adjetivos, é a forma correta: Minha casa é mais pequena do que grande. A casa dele é mais grande que pequena. Viu? Comparam-se os tamanhos (grande e pequeno), não as casas.
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