A peneira que tapa o sol

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DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@dabr.com.br

Imagine a situação. Você matricula seu filho no primeiro ano do ensino fundamental. Leva-o todos os dias à escola. Ele cumpre o horário, faz as tarefas, segue as orientações do professor. No fim do período letivo, a surpresa: a criança não aprendeu a ler. Ops! O que aconteceu? Você pergunta ao diretor, professor ou orientador. A resposta:

— Não se preocupe. Seu filho não será reprovado. Mesmo analfabeto, passará para o 2º ano. Estudará matemática, história, geografia, ciências como os coleguinhas alfabetizados. Se, passados mais dois semestres, ele ainda não dominar o código escrito, fique tranquilo. Ele vai cursar o 3º ano.

Você acredita? Nem você nem Papai Noel. Mas os conselheiros federais de educação juram que a mágica é possível. O MEC reza na mesma cartilha. “A iniciativa”, disse a secretária de Educação Básica do ministério, “traz ótimos resultados. O principal deles: evitar que alunos com baixo rendimento no 1º ano se sintam desestimulados.”

Vale a questão. Como a criança incapaz de decifrar o código escrito pode acompanhar as disciplinas com os colegas que leem? Simplesmente não pode. Ela ficará depositada em sala de aula, entediada, perdendo tempo. Na primeira oportunidade, não retornará. Vai engrossar a estatística dos evadidos que, sem chance de recuperação ou emprego, se tornam presas fáceis do submundo da marginalidade. Fora do sistema, o futuro deles tem duas portas. Uma se abre para a cadeia. A outra, para o cemitério.

Depois de tantas avaliações, tantos diagnósticos e tantas juras em favor da educação, esperava-se resposta efetiva das autoridades. O que se vê, porém, é mais do mesmo. Empurram o problema com a barriga. Fingem que mudam pra não mudar. Impõe-se pôr o dedo na ferida. A escola tem de ensinar. Não ensina. Por quê? Porque falta qualidade, compromisso e cobrança.

Que tal pegar o boi pelos chifres? Em vez de falar em reprovação, o MEC deveria falar em aprovação. A criança tem de ser alfabetizada na primeira série. Diretor, professores, psicólogos, merendeiras & cia. precisam acompanhar cada passo do alfabetizando. Se ele tropeçar, devem tirar a pedra que se interpôs no caminho. É proibido mantê-lo no chão. Tolerância zero para escolas analfabetas — as que exibem corpinhos estendidos no solo.

Dad Squarisi

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