As letras têm a própria quaresma. Como os religiosos, submetem-se a sacrifícios. As ortodoxas chegam ao extremo. Emudecem. Escrevem-se, mas não se pronunciam. Chamam-se dígrafos. O nome diz tudo. São duas letras, mas um som. Velha, por exemplo, tem cinco letras. Mas quatro fonemas (sons). O lh tem companheiros: ch (chefe), nh (tamanho), sc (consciente), sç (nasça), xc (exceto), rr (acarretar), ss (processo), qu (fraqueza), gu (alguém).
Rebelião
Na língua como na vida, há os dissidentes. “Xô, fundamentalismo”, dizem eles. “Nós queremos falar.” Resultado: nem sempre qu, gu, sc, xc formam dígrafos. O grupo, então, se dissolve. Antes da reforma ortográfica, as rebeldes qu e gu eram indicadas pelo trema. Os dois pontinhos davam um recado: ali estava uma heterodoxa. Por isso o u deve ser pronunciado. O sinal se foi. Mas a insubordinação se mantém. Em frequente, tranquilo, lingueta e linguiça, o número de letras corresponde ao de fonemas.
Mesma escola
O mesmo ocorre com pescar, excluir & cia. insubmissa. Para elas, impera a lei do jogo do bicho. Vale o que está escrito. Os grupos sc e xc deixam de ser dígrafos. Entram na regra geral — um fonema, uma letra. Em suma: ortodoxas e heterodoxas não constituem problema só da língua. A opção delas interfere na pronúncia e na separação silábica. Sobra pra nós.
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