Sabia? Os olhos funcionam como câmeras. Fotografam tudo o que veem. Nada escapa. Nem as palavras. Os ouvidos têm outros interesses. Eles não estão nem aí pras imagens. Só querem saber de sons. Como esponjas, absorvem o que ouvem.
Resultado: a gente vê ou ouve mensagens de certas placas, certos avisos, certas propagandas pela primeira vez. Acha-as esquisitas. Mas depois, tantas vezes repetidos, os textos parecem naturais. Mas não são. É o caso da placa que vem afixada ao lado de todos os elevadores.
Aviso aos passageiros
Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar.
O texto é a receita do cruz-credo. Sem cerimônia, exibe cinco erros – propriedade vocabular, colocação do pronome átono, pontuação, emprego do demonstrativo mesmo e estrutura da frase.
Palavra adequada
Vamos combinar? Ônibus, avião, trem, bonde, navio, táxi & cia. transportam passageiros. O elevador sobe e desce com usuários.
Fortões e fracotes
O pronome átono se chama átono porque é fraquiiiiiiinho. Há palavras fortonas que o atraem e o obrigam a ficar antes do verbo. Uma delas é a conjunção subordinativa (que, se, porque). No aviso, aparece “verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar”.
Viu? A conjunção se (verifique se) lá está. Chama o fracote. Ele tem de obedecer: … verifique se o mesmo se encontra parado neste andar.
Pra lá e pra cá
As orações adverbiais são passeadeiras. Não param quietas. Ora aparecem no começo do período, ora no meio, ora no final. Mas elas têm lugar fixo. É no fim. Quando se deslocam, a vírgula denuncia a escapadinha. Compare:
Não dirija se beber.
Se beber, não dirija.
Voltemos ao aviso. O texto tem uma oração deslocada. Cadê a vírgula? O gato comeu. Que tal devolvê-la? Assim: Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo se encontra parado neste andar.
Etiqueta pega bem
O pronome mesmo exerce vários papéis. Ele ajuda o autor a reforçar a declaração ou a dar mais precisão a termos que precisam de destaque. Com funções tão importantes, é natural que tenha exigências. Não são muitas, mas convém conhecê-las para tirar as vantagens que o dissílabo oferece.
1. Às vezes, o pronome aparece antes do substantivo. No caso, tem o sentido de “igual”. Concorda, então, com o substantivo a que se refere: O prefeito fez o mesmo discurso nas duas cidades. O prefeito fez os mesmos discursos nas duas cidades. A mesma campanha teve resultado diferente. As mesmas campanhas tiveram resultados diferentes.
2. Outras vezes, o danadinho vem depois do nome ou do pronome para reforçá-los. Aí concorda com o termo a que se refere. Compare:
Eu vendi a casa. Eu mesma vendi a casa. Eu mesmo vendi a casa. Ele vendeu a casa. Ele mesmo vendeu a casa.
Nós vendemos a casa. Nós mesmos vendemos a casa. Nós mesmas vendemos a casa.
Elas mesmas venderam a casa.
3. Eta pronome polivalente! Ele também pode significar “realmente”. Aí, mantém-se invariável – sem feminino e sem plural: O depoente disse mesmo a verdade. Eles saíram mesmo às 18h. Foi bobeira mesmo do deputado.
Nada mais
Viu? O pronome dá destaque e reforço. Mas não ocupa o lugar do substantivo ou do pronome. É proibido usá-lo em frases como estas: Falei com o médico. O mesmo disse que estava de férias. Xô, coisa feia! Vem, belezura: Falei com o médico. Ele disse que estava de férias.
Eureca
Agora está moleza encontrar o erro no aviso do elevador. O dissílabo está usurpando o lugar do pronome ele: Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra parado neste andar.
Retoque
Que tal dar uns retoques na frase? A forma nota 10 pode ser esta:
Antes de entrar, verifique se o elevador se encontra neste andar.
Melhor ainda:
Antes de entrar, verifique se o elevador está neste andar.
O monstro aterrador
Vamos rir? Leia a interpretação que Paulo José Cunha deu ao mesmo do elevador. Ele o tratou como nome próprio:
Morro de medo do Mesmo. Tenho certeza de que Mesmo é uma dessas assombrações que aparecem nas estradas desertas, noite alta, Lua cheia. Ou então Mesmo é um desses monstros que frequentam diariamente as páginas policiais, um serial killer, um Jack, o estripador (ou estuprador). Tipo: “Mesmo ataca outra vez em Copacabana. Polícia usa até helicóptero pra encontrar o monstro”. Porque, vamos convir: para todo elevador ter um aviso para que a gente verifique se o mesmo está lá dentro, é porque o mesmo não é flor que se cheire.
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