Lucas Matos é leitor atento do jornal. Presta atenção às notícias e à forma como são contadas. Outro dia, escreveu um desabafo: “O blogue falou mais de uma vez sobre o emprego dos porquês. Mas repórteres nem sempre leem as lições. Até o chargista se descuida”. Que tal um repeteco?” Leitor manda, não pede. Lá vai.
4 caras
Por que? Por quê? Porque? Porquê? É um deus nos acuda. Ora a dupla vem coladinha. Ora, separada. Às vezes com acento. Outras, sem lenço nem documento. Quem entende? É um nó nos miolos. Há dois empregos pra lá de conhecidos.
Gente de casa, quase todo mundo os domina. Na época em que a escola ensinava e o aluno aprendia, a meninada decorava: na pergunta, o parzinho é separado. Se o quê estiver no fim da frase, no fim mesmo, encostado no ponto, leva circunflexo. Caso contrário, vem soltinho da silva:
Por que e por quê
Paulo, por que você chegou atrasado?
Paulo, você chegou atrasado por quê?
Maria, você é sempre tão atenta, mas anda distraída. Por que será?
Maria, você sempre tão atenta, mas anda distraída. Por quê?
Porque
A resposta à questão é fácil como tirar pirulito de bebê. O parzinho vem colado. É a conjunção causal:
Paulo chegou atrasado porque acordou tarde.
Maria anda distraída porque está apaixonada.
Porquê
O porquê, assim – juntinho e enchapelado –, joga no time dos substantivos. É sinônimo de causa, razão, motivo. Ele apresenta duas marcas. Uma: tem plural. A outra: vem acompanhado de artigo, numeral ou pronome. Quer ver?
Agora entendo o porquê dos porquês.
Eis o porquê da distração de Maria.
Esse porquê poucos entendem.
O primeiro porquê é mais fácil que o segundo.
Por que e por quê (de novo)
Esse porquê parece repeteco do primeiro. Parece, mas não é. Ele ganhou destaque porque representa um senhor perigo. Gente muito boa tropeça nele e cai como patinho ingênuo que nada no lago. O que fazer? Dar um jeito. Entender-lhe as manhas. Desvendado o mistério, a verdade é uma só – o diabo não é tão feio quanto o pintam. É malandro. Contra ele, malandragem e meia.
Vamos aos fatos:
O porquê separado sem estar em pergunta é construção preguiçosa. Aparece pela metade. Sem muita disposição para o batente, deixa subentendidos os substantivos a razão, a causa, o motivo:
Gostaria de saber (a razão) por que Paulo chegou atrasado.
É possível me dizer (o motivo) por que Júlia odeia Bia?
Ainda não sabemos (as causas) por que o Brasil invadiu o Paraguai.
Viu? Antes do porquê está escondidinho um substantivo. Ele não aparece. Mas conta. É que a língua, engenhosa, o omite. Os distraídos caem na armadilha. Os sabidos têm um macete. Sempre que o porquê for substituível por a razão pela qual, não duvidam. É um lá e outro cá. Se estiver no fim da linha, colado no ponto, ganha chapéu:
Não entendi por que (a razão pela qual) Paulo chegou atrasado.
Paulo tentou, mas não conseguiu explicar por que (a razão pela qual) chegou atrasado.
Este é o melhor filme do ano. Vá ao cinema e descubra por quê (a razão pela qual).
No livro Intermitências da morte, de José Saramago, as pessoas deixaram de morrer. Foi difícil saber por quê (a razão pela qual elas deixaram de morrer).
Resumo da ópera
Descobrir o porquê dos porquês não é nenhum bicho de sete cabeças. Basta aprender por que uns se escrevem juntinhos; outros, separados. E abrir os olhos para as manhas dos acentos. Os chapeuzinhos têm seu porquê.
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