Rede é atalho contra abusos

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Uma tendência que cresce entre os consumidores é aproveitar as redes sociais para compartilhar um problema de consumo. Porém, se antes a reclamação era individual, restrita ao grupo de amigos, agora, a queixa de um internauta pode ser a mesma de pessoas desconhecidas. Assim, grupos de consumidores surgem na internet para tentar resolver um problema comum. São pessoas de diversos locais do país unidas no ambiente virtual em busca da solução de uma queixa de consumo.

O espaço pode ser usado para compartilhar informações, trocar experiências ou mesmo desabafar. Esse tipo de associação tem ocorrido com mais frequência e se manisfestado contra empresas dos mais diversos segmentos, como telefonia, lojas de varejo e construtoras.

Um exemplo é o $urreal, criado como uma comunidade para os cidadãos mostrarem preços e situações abusivas encontradas no comércio. Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Recife já possuem páginas com a expressão “$urreal-não pague”.

Movimentos de clientes prejudicados também ganham força. São consumidores como a historiadora Danielle do Carmo, 26 anos. Em dezembro do ano passado, ela comprou um computador em uma promoção do site do WalMart durante a noite. Pela manhã, checou no sistema se a compra tinha sido realizada e viu que o status da compra era de “aguardando pagamento”. Imprimiu o boleto e foi ao banco pagar o valor devido. Quando chegou em casa recebeu um e-mail da loja informando que a venda era um erro, que o computador foi vendido com preço equivocado e fora do valor de mercado. Assim que digitou no buscador do Facebook o nome da varejista, viu que existia um grupo de clientes de todo o Brasil insatisfeitos com a situação criada.

Desde então, Danielle faz parte do grupo e acompanha os desdobramentos e as ações coletivas propostas no grupo. São mais de 3 mil participantes de todos os estados brasileiros. Na página, os internautas relatam como foi o atendimento da empresa, o que o Procon local orientou, etc. Existe até um modelo de petição para os interessados em entrar na Justiça contra o Wal-Mart. “É bom participar para ter uma ideia do que está acontecendo. Acredito que é um caminho porque as informações ficam centralizadas, dá para fazer uma mobilização que sem a internet não seria possível”, explica.

Em nota, o WalMart lamentou o ocorrido e assegurou que ofereceu cupom de desconto de 30% para os clientes prejudicados. A varejista informou ainda que está melhorando o sistema para evitar esse tipo de erro.

Ambiente virtual

Na opinião de especialistas, a associação de consumidores insatisfeitos nas redes sociais em busca da solução de problemas é bem-vinda e uma importante estratégia de resolução dos conflitos. “Sou muito favorável a essas formas de manifestação da sociedade. Vejo nesses grupos uma forma mais madura de exercícios dos seus direitos”, acredita Ricardo Morishita, professor da Fundação Getulio Vargas e do Instituto Brasiliense de Direito Público.

Para Morishita, a coletividade da internet pode ajudar os consumidores, mas é preciso que ela saia do ambiente estritamente virtual. “Alguém do grupo precisa levar o ocorrido ao conhecimento das autoridades como Ministério Público, Procon, Defensoria Pública. O fato de ter várias pessoas envolvidas ajuda na investigação, na abertura de processos e no entendimento da lei. Por exemplo, se tem várias pessoas reclamando da mesma coisa, o juiz vai ver a verossimilhança e vai perceber que não é algo casual”, afirma.

Ildecer Amorim, presidente da Comissão de Direitos do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal, e conselheira do Procon-DF, defende a associação virtual, mas lembra que o consumidor não pode esquecer de comunicar o conflito aos órgãos de defesa oficiais.

Ela teme o afastamento do consumidor dos órgãos oficiais por causa da agilidade de resolução dos conflitos na internet. “A rede social é mais uma ferramenta de denúncia, que tem que ser usada. Mostra que o consumidor está atrás de resolver o problema e que ele aprendeu que a internet acaba sendo um caminho mais rápido.

Porém, se ele não procura os órgãos oficiais, eles não vão fazer nada, porque não tem denúncia. São esses órgãos que vão multar e impedir que outros consumidores passem pelo mesmo problema”, acredita. Ildecer lembra que o índice de resolutividade dos Procons está acima de 80%. “Se a pessoa não quer sair de casa, vá aos sites oficiais das agências reguladoras, dos Procons, o importante é a denúncia, o comunicado do que está ocorrendo”, reforça.

Empresas de olho nas redes

A internet como palco de reclamações de consumidores tem preocupado empresas. Na era virtual em que os consumidores se abastecem de informações na rede, uma série de queixas pode reduzir vendas e faturamentos. Por isso tem crescido o interesse das companhias em contratar agências especializadas em monitoramento na internet e redes sociais. Lucas Diniz é analista de social media marketing da Agência Cadastra e conta que a procura pelo serviço aumentou bastante nos últimos dois anos. “O que a gente percebe nesse primeiro momento é que as empresas querem saber o que estão falando dela na rede, mas ainda falta um direcionamento para esses dados. Não basta usá-los somente para remediar um problema, é preciso também um trabalho preventivo”, analisa.

Marcelo Loiacomo, diretor de novos negócios da Xgen e especialista em mídias sociais, lembra ainda que as empresas precisam tomar cuidado com o tipo de monitoramento que elas fazem. “Temos duas situações, uma em que o consumidor entra na página da empresa e deixa uma queixa ou uma sugestão e a empresa responde. Outra, é a empresa monitorar uma conversa entre amigos e responder alguma coisa. Pode parecer intromissão e que o cliente está sendo vigiado”, comenta.

Esse excesso de preocupação das empresas com as redes sociais pode refletir no afastamento das companhias dos próprios canais de comunicação, como o Serviço de Atendimento ao Cliente via telefone, pessoalmente ou e-mail. “O que é muito ruim. Porque talvez se o consumidor conseguisse resolver o seu problema direto com a empresa, ele não iria expô-la na rede social”, argumenta Loiacomo.

O que diz a lei

O associativismo pode ser muito importante para a defesa do consumidor, inclusive no ambiente virtual. Por exemplo, a inversão do ônus da prova (quando é a parte acusada que precisa provar que não fez) prevista no Código de Defesa do Consumidor não pode ser utilizada em caso de defeito no produto. Nessa situação, o cliente precisa mostrar o defeito. Porém, se tem um grupo de consumidores com o mesmo problema, em uma disputa judicial, o juiz pode entender que a verossimilhança dos casos cabe a inversão do ônus da prova. Há, inclusive, jurisprudências nesse sentido. Outra situação pode ser a facilidade de uma ação coletiva. As reclamações na rede podem levar o grupo a reunir documentos e fazer uma denúncia a órgãos como o Ministério Público.

Limite de reclamar

No ano passado, um consumidor foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios por caluniar uma empresa e os seus funcionários em uma página da internet. A sentença obrigava o cliente a retirar a publicação da rede virtual e a pagar uma indenização de R$ 9 mil mais a correção monetária. No entendimento do tribunal, a reclamação excedeu o limite do razoável. A sentença determinou que “ainda que o curso não tenha sido a contento, o Código de Defesa do Consumidor não contempla o excesso cometido pelo réu, cujas manifestações resultaram em violação do direito de personalidade dos autores, em face das palavras ofensivas perpetradas pelo réu na rede mundial de computadores”. O consumidor recorreu da decisão e aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça.


Comportamento na rede

ERROS DAS EMPRESAS NAS REDES SOCIAIS

–  Priorizar o atendimento nas redes sociais e não os canais de relacionamento com o consumidor

–  Ao monitorar rede social, a empresa deve ter cuidado para não entrar na intimidade do cliente

–  Discutir com o cliente via rede social

–  Não responder as queixas deixadas pelo consumidor na página de relacionamento ou mesmo na rede social da empresa

ERROS DOS CONSUMIDORES NAS REDES SOCIAIS

– Ir somente para a rede social

– Não tentar resolver o problema com a empresa

– Xingar ou ser ofensivo às pessoas da empresa nas mensagens eletrônicas

– Não procurar os órgãos de defesa do consumidor se a resposta dada pela empresa não for satisfatória

VANTAGENS DA ASSOCIAÇÃO

– Troca de experiências e informações entre pessoas com o mesmo problema

– Acompanhamento dos diferentes desfechos para os casos expostos

– Futuras ações coletivas

– Verossimilhança dos casos, o que pode contribuir para o juiz dar uma sentença favorável ao ver a repetição do mesmo conflito de consumo


Foto: Erick Ungarelli/Arquivo pessoal

Flávia Maia

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Flávia Maia

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